Resenha | It: A Coisa

Nota
5

“Ele soca postes de montão e insiste que vê assombração.”

Durante um dia chuvoso, em 1957, George corria alegremente com sua capa de chuva amarela e suas galochas vermelhas atrás de um barco de jornal feito por seu irmão mais velho. Distraído pela brincadeira, o garoto mal conseguiu perceber que seu novo brinquedo se aproximava de um bueiro, sendo tragado pela correnteza para o esgoto de Derry. Sorrateiramente, um palhaço sinistro aparece no bueiro dizendo ter sido arrastado pela correnteza junto com o circo do qual faz parte e prometendo mil maravilhas ao garoto, assim como o seu barquinho perdido.

No verão de 1958, Bill, Richie, Stan, Mike, Eddie, Ben e Beverly são rejeitados e cheio de traumas. Mas, durante aquele verão, os sete adolescentes conheceram o verdadeiro sentido da amizade, do amor e… do medo. Existe algo terrivelmente sinistro em Derry. Uma força maligna e estranha que parece tecer seus pesadelos pela cidade e transformar cada um dos seus ocupantes, algo tão sinistro que ninguém parece acreditar, mas que tem uma sede crescente por crianças inocentes.

27 anos depois de enfrentar o seu pior pesadelo, o Clube dos Otarios recebe uma ligação sinistra. Mike Hanlon, o único que permaneceu em Derry, emite o sinal de alerta. A Coisa retornou de seu sono e mais uma vez a pacata cidade sofre com seus sinistros ataques. O Clube precisa unir forças mais uma vez e terminar o que começaram em 58, mas seriam eles capazes de enfrentarem seus medos mais uma vez? Ou o monstro que vive nas entranhas da cidade pode destroçar a única esperança de salvação de todos aqueles que cruzaram seu caminho?

Stephen King sempre foi descrito como alguém extremamente descritivo e de uma imaginação fértil. Aproveitando seus medos, vivências e pensamentos perturbadores, o autor consegue criar um universo tão aterrorizante que espanta aqueles que ousam chegar perto de seu texto. E é em um dos seus mais sombrios momentos de escrita que It: A Coisa nasceu.

Lançando em 1986, em uma das épocas mais conturbadas do autor, o livro explora um medo primordial que pode ser tão sinistro e assustador quanto aqueles mais sombrios. Com 1102 páginas, o calhamaço chama a atenção não só pelo seu tamanho mas pela riqueza em seu conteúdo. A trama de King é tão detalhista e bem traçada que se torna impossível não se sentir tragado por seu enredo e pela sinistra cidade de Derry.

Tudo ali parece vivo, inclusive a própria cidade. Derry ganha vida perante nossos olhos, com suas nuances e problemas. Podemos sentir o clima pesado e a estranheza da cidade, seus moradores tem uma maneira quebrada que parece absolver toda a crueldade da criatura e transporta isso para seus atos trazendo um ciclo vicioso.

Dividido em cinco partes e utilizando do passado e presente de seus personagens, o livro mescla com maestria os dois tempos nos contando a historia aos poucos e acrescentando camadas com seus pesados interlúdios que nos situam ainda mais sobre a monstruosidade da Coisa. Por terem esquecido boa parte do terror que sofreram quando crianças, a trama utiliza uma forma espelhada para narrar sua história. Conforme os personagens vai lembrando os acontecimentos, nós leitores, acompanhamos o desenvolvimento de ambas as linhas temporais.

E por falar de personagens, que leque maravilhoso. Todas suas inseguranças, medos e felicidades são mostradas de forma tão genuína que é impossível não nos ligarmos a eles. Cada um tem sua própria jornada e uma maneira única para o enredo. King consegue, com uma maestria que só um mestre consegue ter, dar uma forma ativa a cada mísero ser que aparece em sua historia. Mesmo que o personagem apareça por número ínfimo de páginas sentimos sua historia, seu peso e , por fim, sua perda. Algo divinamente humano que só o rei poderia criar.

No circulo principal acompanhamos o Clube dos Otarios. Billy, o líder do grupo, se vê atormentado pelo que aconteceu ao seu irmão. O rapaz possui uma gagueira latente, e se mostra forte e corajoso durante sua jornada. Por vezes, tomando um papel egoísta durante a trama, o garoto/homem precisa lidar com suas inseguranças e aprender a se livrar dos seus maiores medos se quiser seguir em frente.

Ben é o novato na cidade. Durante toda sua infância, o garoto foi incomodado por seu peso e intimidado por valentões a ponto de se tornar recluso em uma biblioteca durante o verão. Ben se mostrou um dos personagens mais carismáticos durante toda a trama e é impossível não torcer por ele, mesmo quando o destino não está a seu favor. Beverly é a única garota no grupo. A garota teve sua infância marcada por abusos físicos e psicológicos de uma pessoa que deveria mostrar acolhimento: seu pai. A relação entre os dois cria algumas das cenas mais traumáticas do livro, nos deixando desconfortáveis e cheios de ódio.

Eddie é hipocondríaco e vive sob a asa da mãe super protetora. O garoto vive temeroso com tudo ao seu redor, algo que reflete diretamente em sua personalidade adulta. Todo o seu arco levanta uma discussão latente do quanto os pais, com medo do abandono, sufocam e reprimem seus filhos a ponto de não deixarem nenhum espaço para que eles sejam independentes. Richie sempre escondeu seu medo através da comedia. Bastante inconveniente e cheio de si, o rapaz é extremamente talentoso na arte da imitação. Sendo o mais falastrão do grupo, Richie não tem medo de chamar atenção mas é repleto de inseguranças e marcas.

Mike foi o único que ficou em Derry para observar os acontecimentos. O rapaz teve um infância brutal por ter um tom de pele escuro, sofrendo um racismo pesado que mostra outra vertente podre da sociedade. Stan é o mais acanhado entre os amigos. Sendo filho do rabino, o rapaz sempre procura se esconder e se mostra mais complacente nas brincadeiras mas, quando recebe a ligação de Mike, ele é o único que recorda inteiramente todo o terror que o grupo enfrentou.

Mas, o grande astro do livro é a própria Coisa. Repleta de sua própria mitologia, A Coisa é algo ancestral que pode tomar a forma de nossos piores medos. Sua mascara favorita é a do icônico palhaço Pennywise, algo tão cruel e icônico que se tornou atemporal, conquistando a legião de fãs de King. Pennywise é carismático, calculista e extremamente imprevisível, sabendo manipular suas vitimas e mexer com o psicológico daqueles que ousam cruzar o seu caminho. O poder do palhaço é tão grande que sua maldade pulsa através da cidade, trazendo uma aura sombria e aterradora. Sua construção é tão demonicamente primorosa que somos tragados por seu humor acido e doentio desde a sua primeira aparição, demostrando então o poder hipnótico de um dos maiores vilões já criados por King.

A edição da Suma é algo sublime. Com paginas amareladas e uma fonte magnífica, o calhamaço se mostra uma verdadeira obra prima desde sua página simplista e aterradora. Nos fazendo encarar nosso medo logo de cara com um dos palhaços e símbolos mais icônicas do universo macabro de King.

Repleto de traumas, sentimentos e uma profundidade impecável It: A Coisa é um verdadeiro soco no estômago. Mas, engana-se quem acha que o livro é apenas sobre o terror infantil, aquele que nos deixa sem qualquer movimentação durante a noite e que nos obriga a ligar uma lâmpada para espantar os sonhos ruins. Não entenda mal, o terror esta ali, mas é muito mais do que isso. O livro é sobre o fim da infância e sobre o crescimento que todos passamos. Algo tão aterrador que com certeza vai nos fazer flutuar, como um simples balão vermelho.

“- Eles flutuam – rosnou a coisa -, eles flutuam, Georgie, e quando você estiver aqui embaixo comigo, também vai flutuar…”

 

Ficha Técnica
 

Livro Único

Nome: It: A Coisa

Autor: Stephen King

Editora: Suma de Letras

Skoob

Preso em um espaço temporal, e determinado a conseguir o meu diploma no curso de Publicidade decidi interagir com o grande público e conseguir o máximo de informações para minhas pesquisas recentes além, é claro, de falar das coisas que mais gosto no mundo de uma maneira despreocupada e divertida. Ainda me pergunto se isso é a vida real ou apenas uma fantasia e como posso tomar meu destino nas minhas mãos antes que seja tarde demais...

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