Nota
O cinema de James Gray se equilibra muito bem entre sua tendência clássica e uma certa crueza inconsequente que leva os personagens e as situações a rumos imprevisíveis. Dos ótimos Amantes e Era uma Vez em Nova York até o mais morno Z: Cidade Perdida, é possível identificar esse maneirismo sutil que salienta as jornadas emocionais sem cinismo. Existe um registro naturalista muito contido nesses filmes que se permite, também, estetizar as ambientações a fim de manter o rigor formal. Em Ad Astra o diretor abraça mais uma vez essa sinceridade melancólica, flertando simultaneamente com componentes mais desafiadores e outros mais genéricos.
A trama se passa em um futuro de tecnologia tão avançada que há colônias humanas na Lua e em Marte. Brad Pitt faz o papel de um astronauta responsável pela arriscada missão de resolver um problema de sobrecarga de energia que está ameaçando toda a vida no Sistema Solar. Aparentemente, tudo isso está sendo causado pelo Projeto Lima, próximo a Netuno, onde seu pai (Tommy Lee Jones) pode estar vivendo.
Em tom e atmosfera, Ad Astra se aproxima muito mais da desolação de frieza aparente do que do transcendental simbólico de um 2001: Uma Odisseia no Espaço. E, embora a jornada em princípio se assemelhe à Interestelar (a exploração espacial para salvar o planeta e o laço sentimental entre dois personagens como centro do drama), o interesse emocional de James Gray é bem mais compenetrado, sem as divagações existencialistas de Gravidade ou a ciência complicada do filme de Christopher Nolan. Por isso, a centralização na figura de Brad Pitt é um dos pontos altos do longa, já que o ator se entrega a uma das introspecções mais eloquentes do ano – notavelmente assustado com o que a imensidão do espaço lhe aguarda, mas sempre corajoso e pertinaz em seu objetivo.
Claro que o cineasta entendeu muito bem a sutileza da interpretação de Pitt e, além de colocar a câmera frequentemente colada ao rosto dele, reflete em sua abordagem visual a extensão perfeita do protagonista; é uma decoupagem de encenação bastante direta, consciente de sua força poética mas sem ficar chamando a atenção para ela. Impressiona pelo realismo dos efeitos e por manter essa lógica visual (belíssima, sem firulagens técnicas) mesmo em sequências de ação pontuais. Aliás, a ação mais contida e o suspense de urgência regular têm uma relação muito funcional com a dramaturgia – mais até do que propriamente a jornada científica, que parece gradativamente mais irrelevante. A pressa que inexiste na condução de cenas isoladas parece sobrar na relação de distância entre pontos A e B: se por um lado Ad Astra é lento e contemplativo, por outro é também bastante prático.
Ainda que o roteiro se mantenha fiel ao concreto e ao realismo, toda a construção do terceiro ato mira um horizonte de sentimentos doloridos e conflitantes, em que o universo exterior àqueles personagens importa menos do que suas questões internas (a trilha de Max Richter nunca cresce para além da cena, mas está sempre ali marcando essa desolação). A narração de Pitt, por exemplo, tem mais serventia à submersão emocional do que a qualquer tipo de exposição ou didatismo. É nesse sentido que o projeto praticamente rejeita o lado grandioso e genérico de sua premissa “herói da nação” para se ater às obsessões e fronteiras que os personagens carregam para si e impõem aos outros; aos limites pessoais que regem suas jornadas e as consequências dramáticas que eles podem gerar.
Mas para a realização plena da proposta, ainda faltam a Ad Astra alguns alicerces dramáticos mais sólidos na construção dessas relações. É como se Gray e o co-roteirista Ethan Gross impusessem peso e significado para conexões que, além de um tanto primárias em suas nuances (Os personagens de Liv Tyler e de Donald Sutherland são exemplos-mor), se sustentam basicamente nas atuações e na beleza plástica. Acaba sendo curioso que, para um filme tão equilibrado entre a contemplação e a objetividade sentimental, ele tenha também tanta dificuldade de encontrar algo de verdadeiramente robusto no seu núcleo. Se em Amantes e Era uma Vez em Nova York, James Gray atingia um epicentro temático com honestidade e substância, em Ad Astra ele mantém a honestidade e intensifica na precisão técnica, mas estaciona na dimensão sensorial.