Nota
A carreira de Ang Lee é uma das mais versáteis entre os diretores grandes ainda em atividade. Vencedor duas vezes do Oscar de Direção e mais uma na categoria de Filme Estrangeiro, o cineasta taiwanês não somente é capaz de lidar com temas variados como utiliza de diferentes abordagens formais conforme o trabalho precisa, além de ser um sujeito de um virtuosismo técnico quase sempre inacreditável. Ang Lee é, portanto, muito mais do que seria necessário para um material tão modesto quanto o roteiro de Projeto Gemini.
No que se poderia chamar de “história”, Will Smith interpreta um atirador de habilidades extraordinárias que trabalha para uma organização secreta e está prestes a se aposentar. Ao receber a informação de que o relatório do seu último alvo pode ter sido adulterado (e que o sujeito, portanto, não merecia ser eliminado), o personagem passa a ser perseguido por seu próprio clone, desenvolvido pelo líder dessa organização e treinado desde pequeno para ser uma versão perfeita dele.
Além do uso extensivo de tecnologia para duplicar e rejuvenescer Will Smith, Projeto Gemini traz também a novidade dos 60 frames por segundo (o usual no cinema são os 24 fps). Peter Jackson já havia testado os 48 fps em O Hobbit, com resultado divisivo; alguns acharam magnetizante o hiper-realismo das imagens, ainda mais com a profundidade do 3D, outras acham que a experiência distrai além da conta. O ponto principal do uso desse tipo de tecnologia no efeito da ação é que, como em vídeo, a imagem não perde nitidez mesmo com movimentações bruscas de câmera ou dos elementos da cena. Isto é, vê-se tudo nos mínimos detalhes. O poder de imersão sensorial na ação, neste caso, é enorme e seria ainda maior se estivesse a serviço de uma narrativa minimamente inventiva.
A parte do suspense conspiratório, que a princípio parece ser a proposta, é a mais rasa que se pode imaginar; personagens literalmente falam suas características uns para os outros como se estivessem lendo receitas e reiteram informações óbvias com seriedade (“você notou que ele parece demais com você? Quero dizer, muito mesmo”). Aliás, Mary Elizabeth Winstead, Benedict Wong e Clive Owen estão no filme porque sim, e Will Smith, mais uma vez no piloto automático, ainda consegue levar o texto mais a sério do que poderia. Já a ação tem ao menos uma sequência de perseguição de moto que, através de planos longos e subjetivos, situa o espectador muito bem na geografia da cena (além de se concluir da maneira mais deliciosamente ridícula possível). Fica difícil, no entanto, entender a lógica de se filmar as set-pieces de luta com planos tão fechados, cortes tão rápidos e cenários tão escuros (o último ponto, na verdade, é um facilitador da computação gráfica).
O filme teria redenção de duas formas: a primeira seria assumir o humor escrachado que fica só sugerido e termina ofuscado por essa dramatização porca. A segunda seria um encadeamento tremendamente inventivo na construção da ação pura e tresloucada (a exemplo de John Wick). Acaba que, na busca por uma seriedade controlada em uma encenação mais direta, Projeto Gemini se torna tão genérico quanto o DNA do Will Smith rejuvenescido.