Resenha | Rainha do Ar e da Escuridão

Nota
3.5

Após os evento de Senhor das Sombras, Emma, Julian, Marck, Cristina e Kieran tentam lidar com as consequências de suas escolhas, e com as perdas inimagináveis que tiveram que passar na sua última aventura. Enquanto isso, uma iminente guerra entre Fadas e Caçadores de Sombras está perto de explodir, ao mesmo tempo em que Emma e Julian tentam finalmente entender o que está por trás da Maldição dos Parabatai.

Cassandra Clare finalmente traz a “conclusão” da história de Emma e Julian, que começou em Cidade de Fogo Celestial, Dama da Meia Noite e Senhor das Sombras. Iniciando a trama com os acontecimentos após as mortes de Livya Blacktorn (irmã do Julian) e Robert Lighwood, o livro assume uma atmosfera bem pesada, com um tom fúnebre que Cassandra usa para transmitir o sentimento de perda que recai sobre os protagonistas. É interessante ver as óticas de cada um sobre esse sentimento, esse é um dos pontos em que autora triunfa na história, como cada sentimento tem uma forma de ação sobre as pessoas, como eles afetam suas decisões e como eles transformam o senso do que é certo ou errado.

A narrativa em terceira pessoa é eficaz na trama, mostrando como os eventos estão afetando cada personagem apresentado. A autora realmente amadureceu, ela não é a mesma de “Cidade dos Ossos”, sua escrita não é mais uma bagunça, ela ganhou personalidade, você sabe quem é cada pessoa narrando. Outro ponto positivo, que ainda vem de sua escrita, é a riqueza de detalhes: a autora consegue transmitir desejo, raiva, repulsa, tristeza, alegria, medo, entre outras sensações. Trazendo uma das melhores cenas de guerra que já li, é inegável que o livro busca abordar muitos temas, mesmo que não bem executados, tendo a política como tema que se sobressai frente aos demais.

É impossível não traçar um paralelo da questão política, abordada no livro, com a situação em que se encontra o governo dos Estados Unidos:  metáforas sobre segregação, o discurso de ódio, representações de muros e com toda certeza o poder do fanatismo (bem presente na obra), descrevem bem o governo atual norte-americano. Se ela fez de propósito, não posso afirmar, mas que de fato é semelhante ao sistema político Trump, com certeza é. O vilão Horace Deaborn é um retrato pintado fielmente dos idealismo fascista, e é notório que essa percepção que autora nos deixa se deve ao amadurecimento de sua escrita.

Cassandra Clare cresceu como autora, mas essa melhora não é absoluta. O tamanho do livro mostra que ela tem  muita coisa para contar, mas Cassandra não percebeu que existe uma diferença  entre escrever e o que realmente é importante escrever, ela jogou tanta coisa nesse livro, como se pensasse “alguma coisa eles vão gostar”. Infelizmente, temos como resultado uma leitura arrastada, com grandes momentos e uma quantidade imensa de plots supérfluos, que ainda por cima não se fecham nesse livro, o que me fez perceber que a autora não está focada no tempo presente do mundo dos caçadores de sombras e sim no futuro dele.

A autora tinha dois temas principais para desenvolver nesse livro: a maldição dos Parabatai e a Guerra entre Seelie e Caçadores de Sombras, além dos erros que levaram a isso, mas infelizmente esses eventos são sufocados com plots que transcendem para futuros livros. Não é de hoje que Cassandra tenta expandir seu universo a cada livro: aconteceu em Cidade Vidro, que deu origem às Peças Infernais, e em Cidade de Fogo Celestial, que incluiu a Família Blacktorn, mais especificamente, Emma, Julian e Marck, dando origem a Os Artifícios das Trevas. O mesmo acontece aqui, Cassandra inclui óticas que não serão desenvolvidas na obra em questão, mas são sementes que vão germinar para as próximas gerações de Caçadores de Sombras.

Do ponto de vista de fã, é empolgante saber que uma história pela qual você tem tanto carinho ainda tem mais para contar, mas de um ponto de vista de leitor, é cansativo. Em um livro que tem 727 páginas, você espera que tenha um ritmo acelerado, um ritmo contínuo e não 727 páginas em que metade delas está recheada de encheção de linguiça. Personagens que já tiveram seus momentos nos holofotes, em sagas anteriores, aparecem nesse livro, devo confessar que suas aparições empolgam, mas acaba por tirar o brilho dos protagonistas atuais. Essa situação me lembrou o que acontecia nos livros de Crepúsculo, quando Bela, a protagonista principal, é sufocada quando Edward e Jacob surgem nos capítulos, tornando Bela totalmente esquecível.

Em Rainha do Ar e da Escuridão, ver seus personagens favoritos aparecendo é como se fosse uma dádiva, mas a consequência é que o leitor acaba por ignorar os protagonistas atuais, em virtude do apego aos antigos. Como se não bastasse, a autora traz de volta eventos de livros passados, que em teoria encerravam-se naquela fase, o que  sufoca a trama principal e acaba por parecer que esses três livros não são independentes, e sim que são os livros 7, 8 e 9 da saga dos Instrumentos Mortais. Outro ponto que deixa a história cansativa, é a extensão que certos núcleos levam para se desenvolver.

O núcleo Marck, Kieran e Cristina, por exemplo, apesar de ser relevante para trama, acaba  por se resumir muitas vezes a erotismo, que uma ou duas vezes empolga, porém a repetição dessas cenas são de um exagero que acaba por tirar o valor sentimental delas e se torna gratuito. Este é um livro que deveria ser sobre conflitos políticos e uma iminente guerra, não sobre “pegação”, não estou dizendo que a trama política e a guerra não são desenvolvidos, eles são, e de forma brilhante, mas eu digo que o foco nas cenas românticas desses personagens leva tempo demais e, por consequência,  quebra o ritmo da trama. Sem dizer que nove (eu contei até onde eu me lembro, mas acredito que pode haver mais) núcleos de personagens é muita coisa, e que, ainda por cima, infelizmente, não têm um fechamento nesse livro.

Quando Cassandra abre parênteses para sagas futuras, ela deixa brechas no roteiro e, para piorar, destrói a surpresa para essa nova fase com um epílogo que já mostra quem será o próximo desafio do mundo dos Caçadores de Sombras, construindo uma cena que não tem impacto. No fim, Rainha do Ar e da Escuridão tem cenas grandiosas, tem uma ótima escrita, mas é recheado de plots supérfluos e um apego inconsciente com o passado dos livros e com um provável futuro deles, esquecendo-se do real objetivo de um fim, e se perdendo nos seus temas.

 

Ficha Técnica
 

Livro 3 – Os Artifícios das Trevas

Nome: Rainha do Ar e da Escuridão

Autor: Cassandra Clare

Editora: Galera Record

Skoob

Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo. Álvaro de Campos. Sou Recifense, aspirante a professor, leitor ávido de mitologia greco-romana, estudante de grego e latim. Escritor e as vezes poeta. O que mais gosto na literatura? O poder dela de tirar alguém de um ponto e levar ao outro, e a cada página você já não é o mesmo.... Isso é Apoteótico.

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