Nota
Naoufel (Hakim Faris) sente-se deslocado e sem proposito. Péssimo em tudo o que faz, o garoto trabalha como entregador de pizza mas vive atrasando a entrega dos pedidos e recebendo reclamações por isso. Em uma dessas entregas, ele conhece Gabrielle (Victoire Du Bois) por quem ele cria um interesse instantâneo e aterrador. Na geladeira de um necrotério, uma mão decepada desperta. Escapando de sua prisão gelada, a Mão aprende a andar sobre seus dedos e começa a vagar por Paris em busca de um único objetivo: encontrar seu corpo.
Com uma premissa macabra, digna de um filme de horror, Perdi Meu Corpo nos transporta por uma aventura inesperada pelas ruas de Paris. Dirigido por Jérémy Clapin, o longa é baseado na obra de Guillaume Laurant (que co-escreve o roteiro afiado) trazendo um filme macabro mas lírico que desperta nossos sentimentos e nos deixa estarrecidos com a beleza que a animação pode ter.
Juntando três tempos distintos, o filme constrói uma narrativa coesa que instiga o espectador e nos convida a desvendar seus mistérios. Passamos pela infância de Naoufel, com tons de preto e branco mostrando toda a inocência e alegria que uma velha memoria nos proporciona, até seu tempo atual, onde ele decide mudar a sua vida e conhecer mais a fundo a garota do interfone, entrando em uma jornada um tanto quanto caótica até chegarmos ao lúdico momento em que a misteriosa mão ganha vida, viajando por toda Paris em busca do seu objetivo.
As duas jornadas se mostram metáforas tão poderosas que é impossível não sentir-se tocado pela narrativa. Tanto Naoufel quanto a Mão se encontram perdidos, sem um lugar de pertencimento e buscando algo que parece estar fora do seu alcance. O simbolismo é tão bem utilizado que não surpreende que o roteiro saiba amarrar com maestria suas pontas, trazendo um ciclo completo que nos prende às suas repetições, a ponto de procurarmos os significados e entendermos seu contexto com uma profundidade ampliada.
A Mão, aqui tão expressiva, se torna um show a parte. Sem falas, ela ganha uma força magnífica que encanta ao público. Tudo nela é agonizante, poderoso e claustrofóbico, fazendo com que caminhos tão comuns ganhem aspectos tenebrosos a ponto de parecerem fatais. O longa ganha um novo ritmo enquanto acompanha sua jornada, mostrando assim seus detalhes e brincando com o nosso cotidiano.
O longa escolhe planos pouco habituais que focam, precisamente, nas mãos de seus personagens, nos imergindo assim em seus detalhes e dinâmicas. Passamos a conhecer muito da personalidade dos mesmos pela jornada que suas mãos percorrem, seja bloqueando o sol em uma belíssima cena afetiva ou sendo examinada em um momento de tristeza; tudo ali é exibido com maestria em algo que parece sem importância a primeira vista mas se mostra de uma pontualidade exemplar.
As imagens, tão caprichadas, nos despertam um misto de sentimentos profundos e avassaladores. Seja a solidão latente ou a agonia a cada novo desafio, tudo se mostra tão intensificado que nos deixa na ponta da cadeira a cada nova reviravolta do roteiro. As mudanças de cores também refletem o poder de cada jornada, trazendo tons mais alegres para a presença do rapaz e abusando das cores escuras para o caminho da mão.
Denso, forte mas extremamente delicado, Perdi Meu Corpo trás uma jornada de pertencimento. Reabrindo velhas feridas e explorando ao máximo os traumas trazidos por elas, o longa se mostra uma grata surpresa enquanto mistura o macabro e o lírico em uma trama repleta de significados que, com o perdão da palavra, está ao alcance de uma mão.
Phael Pablo
Preso em um espaço temporal, e determinado a conseguir o meu diploma no curso de Publicidade decidi interagir com o grande público e conseguir o máximo de informações para minhas pesquisas recentes além, é claro, de falar das coisas que mais gosto no mundo de uma maneira despreocupada e divertida. Ainda me pergunto se isso é a vida real ou apenas uma fantasia e como posso tomar meu destino nas minhas mãos antes que seja tarde demais...