Crítica | Adoráveis Mulheres (Little Women) [2019]

Nota
3

Adaptado seis vezes para o cinema, além de outras tantas para minisséries e telefilmes, o livro Mulherzinhas foi escrito pela autora americana Louisa May Alcott e publicado em 1968. A história, semi-autobiográfica, segue as irmãs Jo, Meg, Amy e Beth buscando realizar seus diferentes sonhos durante o período da Guerra Civil Americana, entre 1961 e 1965. Apesar de não mudar nada na base da premissa, a diretora e roteirista em ascensão vertiginosa, Greta Gerwig (que fez sua estreia com Lady Bird: A Hora de Voar, em 2017), resolveu fazer uma atualização dos conceitos da obra de May Alcott que na pauta de hoje já soam datados.

Saoirse Ronan, Laura Dern, Eliza Scanlen, Florence Pugh and Emma Watson in Greta Gerwig’s LITTLE WOMEN.

O que mais provocava um aborrecimento inicial com o projeto de Adoráveis Mulheres (2019) não era apenas o fato de ser mais uma refilmagem dessa história, mas a sensação de que o filme foi milimetricamente pensado para encaixar na tendência temática – já que, felizmente, a indústria vem abrindo cada vez mais espaço para tantas histórias femininas (finalmente) serem contadas. Mas mesmo o excelente elenco parece ser calculado para a janela de premiações, além de muitos estarem trabalhando novamente com a diretora. Ocorre que, apesar de não disfarçar a calibragem do elenco e passar um pouco do ponto na reiteração das intenções do discurso, o resultado é surpreendentemente refrescante e engenhosamente executado.

A ideia de mesclar as sequências do presente com as do passado, particularmente, gera um paralelo que já é interessante por si só. As cenas passadas sete anos antes possuem tempo e tom diferente; elas carregam uma atmosfera quase onírica, através de sua paleta de cores quentes e montagem ágil. É como se tudo estivesse em constante movimento e o futuro parecesse ao mesmo tempo incerto (levando em consideração todas as dificuldades das mulheres para conquistarem seus sonhos) e um mundo a ser calorosamente descoberto. As transições funcionam como portais entre as duas linhas temporais que, a partir da segunda metade, incorporam uma obsessiva influência uma na outra. Algumas intercalações são singularmente inteligentes, como o ápice trágico da história – que praticamente transforma fatos em projeções e projeções em choques de realidade.

Greta Gerwig também faz um trabalho cauteloso nas atualização para não tornar situações em inverossímeis ou radicais. Teria sido arbitrário e até contraproducente separar as personagens a fim de criar um modelo positivo de autossuficiência feminina, ou mesmo vilanizar os personagens masculinos. A protagonista Jo, interpretada por Saoirse Ronan, é o coração do discurso de Adoráveis Mulheres (2019), e sua jornada está sempre conectada às três irmãs – que, por sua vez, possuem suas próprias jornadas paralelas sem perder o senso coletivo. O equilíbrio dramático sustentado pela excelente Florence Pugh, no papel de Amy, segunda mais nova, é muito bom para humanizar e desenvolver as qualidades e defeitos das irmãs.

E, apesar de uma direção não muito fora do convencional, Adoráveis Mulheres tem também um trabalho de câmera bem mais versátil, e disposto à dinâmica emocional da história, do que em Lady Bird. A diretora recobra todo o seu comedimento na delicadeza dos diálogos e sua perspicácia para os trechos que merecem ora mais ritmo, ora mais contemplação. Tem, acima de tudo, muita vivacidade e alegria na relação entre as personagens e o espaço que elas habitam – um aconchego importantíssimo para ser firmado um sentimento genuíno de união e sororidade.

É certo que Greta também não consegue evitar uma irritante reiteração temática entre os minutos finais; vira quase uma obsessão por fechar a historinha do modo mais correto possível para tirar 10 na prova e não incomodar ninguém. O saldo acaba ficando esticado, talvez alguns minutos além da conta – o que não tira seu mérito e de sua equipe em encher a tela de calor durante a maior parte das duas horas e quinze e, por alguns instantes, até dar um milagroso frescor de novidade.

 

De Recife (PE), Jornalista, leonino típico, cinéfilo doutrinador.

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