Crítica | Nausicaä do Vale do Vento (Kaze no Tani no Naushika)

Nota
4.5

“E o salvador vestirá uma roupa azul…e pousará em um campo dourado.”

Mil anos após os Sete Dias de Fogo, um evento devastador que destruiu a sociedade humana e a maior parte do ecossistema terrestre, a humanidade se esforça para sobreviver nas ruínas de seu passado. Divididos em pequenas populações e impérios e isolados um dos outros pelo Mar Podre, a raça humana tenta superar suas adversidades e recuperar a terra perdida pelas poderosas criaturas que habitam a sombria floresta que domina o mundo, onde tudo é tóxico, inclusive o ar.

Em meio às poderosas montanhas, um pequeno reinado cresceu e prosperou. Nausicaä (Sumi Shimamoto), Princesa do Vale do Vento, está profundamente curiosa sobre o ambiente hostil, invadindo as densas florestas nocivas, procurando compreender o habitat e todos que ali moram. Mas, tudo muda drasticamente quando uma aeronave cai em seu reino, trazendo uma desgraça iminente à sua pacifica terra.

Determinada a impedir uma guerra entre as duas nações, Nausicaä inicia uma jornada contra o tempo, tentando impedir o caos iminente que pode gerar um novo desastre ambiental, que pode destruir tudo aquilo que restou do seu amado planeta.

Baseado na série de mangás assinada por Hayao Miyazaki e dirigido e roteirizado pelo mesmo, Nausicaä do Vale do Vento foi o filme predecessor à criação do icônico Studio Ghibli, se mostrando uma peça fundamental para a construção cinematográfica que estaria por vir. Criando um mundo pós-apocalíptico, destruído pela ganância e crueldade humana, o longa nos joga mil anos no futuro, mostrando a luta dos sobreviventes em meio a todo o caos e destruição deixadas por seus antepassados.

Em meio aos escombros surge o Vale do Vento, um paraíso pacífico que conseguiu uma proteção natural contra a floresta tóxica que domina a natureza, se mantendo afastado do jogo político enquanto prospera escondido nas montanhas. Seu ambiente tranquilo nos é mostrado logo depois de apresentar o caótico universo, trazendo um contraste crescente entre o que foi perdido e a pequena esperança da humanidade.

As diferenças começam na construção de sua protagonista que, diferente do resto da população, não teme o Mar Podre. Nausicaä tenta entende-los e estuda-los, criando empatia com os enormes insetos e plantas venenosas que ninguém mais procurou compreender. Sua empatia e compaixão, assim como sua coragem e determinação, são mostradas nos minutos iniciais do longa, a afastando dos demais e colocando-a em uma posição elevada que difere até dos mais próximos à pacifica sociedade em que vive. Nausicaä não tem medo de ser diferente e sua gentileza surpreende a todos, mesmo aqueles que tem um convívio prolongado com ela.

Boa parte de sua personalidade é inspirada em um antigo conto japonês, chamado A menina que amava insetos, obra que serviu de inspiração não só para sua protagonista como para a criação do universo do longa. Os paralelos construídos por Miyazaki para representarem o horror histórico da Segunda Guerra Mundial é monumental, sua narrativa envolta aos excruciantes Sete Dias de Fogo, onde a Terra foi literalmente queimada e desolada por monstros colossais de criação humana, dão uma ligação perfeita com a temível bomba nuclear. As marcas que tais atos deixaram na natureza, construindo um ambiente radioativo e tóxico que, mesmo após mil anos, não conseguiu se recuperar da crueldade humana.

A temática humano versus natureza é amplamente discutida aqui, trazendo uma profunda reflexão sobre o quão responsáveis somos pela destruição ao nosso redor e que mundo estamos deixando para nossos descendentes. É perverso acompanhar que certas atitudes humanas tem consequências devastadoras, e mesmo após mil anos ainda não aprendemos com nossos erros.

O Mar Podre é um espetáculo a parte. A beleza natural de um mundo devastado se mostra sombria e poética, trazendo uma sufocante sensação de incapacidade somada à monstruosidade grandiosa dos cenários. Tudo é titânico, mostrando nossa insignificância perante a contrição natural (algo que contrasta diretamente com o impacto que podemos causar com nossa irresponsabilidade). Os animais gigantescos, as plantas venenosas, o ambiente improdutivo e agressivo contra a presença humana se mostra tão magnifico quanto assustador. É como se o mundo estivesse se readaptando, excluindo de propósito a presença do ser humano e tornando inviável sua vida nesse novo ambiente, quase como se a natureza estivesse revisando toda crueldade e ganância sofrida ate ali.

Essa crítica é bem trabalhada, construindo nosso interesse e nos mostrando que o conhecimento humano é raso e falho. O que pode parecer hostil a primeira vista se mostra uma verdadeira maravilha natural, repleta de significados que pouco procuramos entender por termos medo de sermos bem-vindos nesse novo ambiente. Cada peça do Mar tem uma função perfeita, que vai sendo mostrada aos poucos até estarmos envoltos em sua construção, quando a revelação enfim é mostrado, nos damos conta de quão bem arquitetada foi a trama e como podemos nos surpreender com algo tão simples e poderoso.

A animação verdadeiramente brilha nas cenas que envolvem a natureza, contrastando com os horrores da guerra que ganham traços mais profundos e perturbadores. Miyazaki sabe como ninguém como assimilar as duas vertentes, trazendo uma capacidade impecável de transitar entre os dois temas enquanto constrói um enredo potente e avassalador. Não existe limites para a sua imaginação e sua construção de universo é incomparável, embora pareça confuso e apressado a primeira vista.

Trazendo uma mensagem complexa e bastante atual, Nausicaä do Vale do Vento se mostra um verdadeiro achado. Repleto de uma beleza cruel, o longa nos mostra o quão importante é aprendermos com nossos erros e mudarmos nossas atitudes, trazendo criticas magníficas que nos fazem refletir a ponto de termos empatia pelo que tememos, já que tudo se mostra mais grandioso quando passamos enfim a conhecer o outro lado da moeda.

 

Preso em um espaço temporal, e determinado a conseguir o meu diploma no curso de Publicidade decidi interagir com o grande público e conseguir o máximo de informações para minhas pesquisas recentes além, é claro, de falar das coisas que mais gosto no mundo de uma maneira despreocupada e divertida. Ainda me pergunto se isso é a vida real ou apenas uma fantasia e como posso tomar meu destino nas minhas mãos antes que seja tarde demais...

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