Crítica | O Poço (El Hoyo)

Nota
3

Exibido pela primeira vez no Festival de Toronto (TIFF) de 2019 e distribuído internacionalmente através da Netflix, o filme espanhol O Poço, dirigido pelo estreante Galder Gaztelu-Urrutía, acabou ganhando certa notoriedade não apenas pelo fato de as pessoas estarem trancadas buscando algo interessante no streaming, mas também por lidar com um extremo situacional que, de alguma maneira, encontra respaldo na problemática do esgotamento de recursos e racionamento de alimentação frente à conjuntura pandêmica do mundo. Não deixa também de pegar uma bela carona no discurso sobre desigualdade e marginalização que pautou os lançamentos mais prestigiados do último ano: Nós, de Jordan Peele (EUA), Os Miseráveis, de Ladj Ly (França), Bacurau, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles (Brasil), Parasita, de Bong Joon-ho (Coreia do Sul) – e, por que não, Coringa, de Todd Phillips (EUA)?

Numa trama na qual a cada 5 minutos novas informações são fornecidas acerca daquele mundo, O Poço começa com um sujeito acordando num espaço retangular fechado, junto com um senhor que parece saber muito mais sobre aquele espaço do que ele. Fica claro que trata-se de um andar em um sistema vertical de mais de 200 níveis, no qual uma plataforma desce todos os dias trazendo comida. O mecanismo fica pouco tempo em cada andar até que automaticamente desce levando o que sobrou de alimento para o nível abaixo, e assim por diante. Logicamente, quando a plataforma chegar aos andares mais baixos, não sobrará nada.

Em parte, o filme parece bem consciente de sua obviedade, mesmo porque ele faz uso da ideia de maneira semelhante a Cubo (1997), nesse jogo de “desvendar os segredos do mecanismo” e escapar. Com certeza a forma como direção/roteiro exploram as possibilidades do espaço é a melhor coisa do filme, e o que o torna mais relacionável também. Apesar do cenário minimalista, o filme progride sem se repetir, oferecendo a cada 10 minutos recortes diferentes da temática (ainda que de maneira “obvia”). Diante do assunto em si, O Poço não traz muito de particular além da ideia de mobilidade vertical. É como se pegasse a ideia de prejuízo recíproco de um Nós ou Parasita e levasse a uma situação bem mais literal.

No todo, no entanto, o resultado seria mais pleno se abrisse mão nessa estilização meio feiosa nas cenas de passagem de tempo, violência gráfica e alucinação. Sempre que se propõe uma impressão mais profunda no público, o filme apela para recursos que – ironicamente – mantém o espectador na sua zona de conforto e subtraem o peso do choque; é como se ele assumisse que o conteúdo/tema é forte por si só e, sendo assim, basta uma insinuação sonora ou frases de efeito para atingir esse impacto.

É bem verdade que esse conceito de mobilidade não se aplica nem de longe na realidade mundial, mas o fato de O Poço trazer alguns elementos tão tradicionais da distopia simples e do horror denota ainda mais o seu caráter farsesco e a sua liberdade em brincar com o “e se” consagrado pelo cinema futurista. Mesmo as conexões metafóricas e literais com o sistema capitalista – pelo menos tal qual ele opera – sendo um tanto frouxas e, às vezes, até bem moralistas, é inegável a funcionalidade da lógica interna e a capacidade do roteiro e da direção em imergir a sua imaginação naquele contexto. Esse exercício de empatia em si, portanto, já vale a experiência.

De Recife (PE), Jornalista, leonino típico, cinéfilo doutrinador.

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