Crítica | Following

Nota
2

A partir de um enredo simples e com o aporte de mais ou menos 6 mil dólares, o cineasta inglês Christopher Nolan dirigiu, escreveu e produziu Following, no final da década de 1990, de modo pensado para ser feito da forma mais econômica e ensaiada possível, já que os rolos de filme 16mm eram o principal custo do projeto (todas as cenas do corte final estão entre o primeiro ou segundo take de gravação). É engraçado, portanto, assistir ao primeiro longa do diretor décadas depois de sua consagração como um dos nomes mais populares e ambiciosos da indústria, famoso por produções gigantescas que mobilizaram impressionantes esforços de produção e geraram grandes sucessos de bilheteria. E, curiosamente, os conceitos fundamentais que compõem a obra de Nolan já estavam claramente presentes nesse seu trabalho de estreia – pro bem e pro mal.

A trama gira em torno de um escritor decadente, viciado em seguir e observar pessoas aleatoriamente na rua em busca de alguma inspiração. Do ponto em que esse homem passa a seguir um sujeito engravatado específico, que percebe estar sendo seguido, ele acaba se enrolando num emaranhado de roubos e chantagens, fazendo com que sua vida passe a correr perigo. Tudo isso filmado em preto e branco, com câmera 100% na mão e, obviamente, utilizando locações reais. 

Apesar de toda essa fachada indie e reminiscente da Nouvelle Vague francesa, é interessante constatar que Following é tão mecânico e emocionalmente impassível quanto os filmes comerciais mais célebres do diretor. A fotografia granulada e o som seco (a trilha é quase imperceptível) se esforçam para compor uma aparência de espontaneidade “godardniana”, mas não escondem a cenografia e o texto marcados milimetricamente em causa e consequência. Mesmo o imediatismo com que se instala a premissa (com menos de 5 minutos já se sabe tanto o porquê do título quanto a história que vai-se acompanhar) já denuncia o apreço à funcionalidade do enredo, excluindo qualquer possibilidade de contemplação – ou até interpretação – daquela realidade. 

O espectador mal consegue compreender as razões psíquicas e morais do protagonista – ou qualquer coisa parecida – e já está junto com ele tentando decifrar uma situação, salvar uma mulher, se salvar, etc e etc. Os coadjuvantes, então, desde o “parceiro de crime” até a femme fatale da vez, têm lá seus textos decorados e sua composição direta e igualmente funcional. Em outras palavras, não há tempo para envolvimento mínimo com ninguém aqui.

No cinema de Nolan, afinal, personagem costuma ser mais uma engrenagem a serviço de um conceito do que o oposto. Aliás, com toda a modéstia da produção, o filme já evidencia outras idiossincrasias específicas do cineasta: o(s) protagonista(s) branco(s) bem vestido(s), o crescendo de tensão criado através de montagem paralela, as trucagens com diferentes linhas temporais, a mulher como um objeto de cena que morreu – ou vai morrer – e a higienização quase absoluta da violência; fica faltando só o high concept e a cena de afogamento. 

Há de se admitir: a curtíssima duração de Following (cerca de 68 min) justifica essa objetividade no desenrolar da ação e, por consequência, na velocidade dos cortes também. Ele tenta cobrir a cena com um dinamismo que fica no meio do caminho entre a crueza cênica e a decoupagem planejada. Nesse caso, a pretensão mal sucedida está muito mais na abordagem formal desconexa do que no recorrente anseio por uma significação ou profundidade (A Origem e Interestelar sendo os exemplos mais óbvios). O resultado é um projeto com algumas viradas engenhosas e momentos de considerável potencial situacional, mas de efeito final tão apático quanto a caracterização dos brancos engravatados.

 

De Recife (PE), Jornalista, leonino típico, cinéfilo doutrinador.

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