Resenha | Coraline

Nota
5

“ – Se, por acaso – disse uma voz no escuro –, você conseguir salvar seu papai e sua mamãe da bela dama, poderia também libertar nossas almas?”

Coraline Jones é uma exploradora nata. A garota adora conhecer novos ambientes e descobrir segredos escondidos, principalmente em sua nova casa, com o breve verão, que está cada dia mais próximo do seu fim. Logo que se mudou para o novo apartamento, em um casarão antigo cercado de vizinhos excêntricos, ela fez questão de investigar os arredores, mas viu seus planos ruírem diante de um dia chuvoso, que a prendeu dentro de casa.

Sem ter o que fazer, a garota decidiu contar quantas portas e janelas seu novo lar possuía. 22 janelas e 14 portas ao total. Dessas, treze portas abrem e fecham sem nenhum problema, enquanto a décima quarta abre-se hora para uma parede de tijolos, hora para um corredor escuro e gelado, que a leva a um apartamento maravilhoso, muito semelhante ao seu.

Lá, a comida parece mais apetitosa, os brinquedos possuem vida própria e seus outros pais tem todo tempo do mundo para brincarem e se divertirem com ela. Tudo parece perfeito, exceto por um detalhe. Um detalhe pequeno e assustador que pode tornar-se irreversível. Enquanto se encanta com as maravilhas e mistérios do lugar, Coraline percebe que as coisas não são o que aparentam ser, e que algumas portas nunca deveriam ter sido abertas para início de história.

Viagens entre reinos mágicos e ambientes maravilhosamente insanos não são nenhuma surpresa no mundo literário. Já descemos pela toca de um Coelho e nos escondemos em um guarda-roupa, mas nenhuma delas conseguiu nos deixar tão amedrontados quanto a jornada idealizada por Neil Gaiman.

Utilizando seu dom para o gótico e o terror, Gaiman constrói uma atmosfera magnífica, que ultrapassa a barreira imposta e nos entrega uma jornada digna de um sonho perturbador, que tem tudo para nos arrancar de nossos delírios febris. A grande verdade é que Coraline não só encanta seu publico alvo como traz nuances que só os adultos conseguem captar, transbordando com a genialidade narrativa de seu autor, que consegue, com toda sutileza, reviver nossos medos infantis.

Misturando sua linguagem fluida e poética, Gaiman consegue construir uma obra tão marcante quanto as jornadas aqui citadas, demostrando ao mesmo tempo uma referência ao clássico enquanto constrói seu próprio caminho. São inúmeras as referências às obras de Lewis mas, mesmo elas, soam como algo novo e empolgante, construindo sua própria mitologia, que nos arrebata de uma maneira magnifica e perturbadora.

Não é a toa que o autor brinque tanto com nosso imaginário, construindo dimensões profundas repletas de perigos e maravilhas enquanto desperta sentidos primitivos, que estavam adormecidos em nosso interior. A jornada nos marca e permanece, trazendo aspectos atemporais que achávamos ter esquecido ao longo do caminho. Afinal, quem nunca sonhou em viver em um mundo perfeito onde tudo é moldado para nosso simples prazer? E se esse mundo realmente existisse mas servisse apenas para nos mostrar que nossos desejos são tão distorcidos e perigosos como nem sonhamos em imaginar?

É brincando com essa dualidade que Gaiman constrói seu universo, colocando contrapontos narrativos que demostram muito mais do que imaginamos. Ele cria dois universos tão bem construídos que servem como reflexos distorcidos um do outro, trazendo uma profundidade impecável que parece aumentar a cada nova linha enquanto nos ensina lições poderosas. Seus personagens, diálogos e mitologia são tão bem explorados que se tornam um deleite aos olhos, ao que se aprimora ainda mais com os macabros desenhos de Dave McLean, que consegue transportar todo clima perturbador da obra.

Mesmo sendo um livro curto, Gaiman consegue trazer profundidade a seus personagens, os tornando inesquecíveis aos leitores que se aventuram em suas páginas. Coraline é simplesmente encantadora. Determinada, curiosa e bastante esperta, a garota tenta lidar com seus problemas da melhor maneira possível. Sempre trazendo ideias afiadas que surpreendem o leitor, a protagonista sempre tinha seu próprio caminho, encontrando forças em sua fraqueza e transformando eles em coragem.

O Gato serve como guia e conselheiro da garota, trazendo um ar debochado de alguém que sabe das coisas e está ali para ajudar… quando lhe for conveniente. É com ele que acontece alguns dos melhores diálogos do livro, e sua presença é tão forte e necessária que nos encontramos rendidos a toda sua acidez felina.

A Outra Mãe é outro marco literário. Sádica, controladora e simplesmente aterrorizante, a criatura monstruosa remodela a nova realidade colocando a todos em um jogo perverso e perspicaz. Ela exala perigo, transbordando com maldade em toda narrativa, nos deixando tão preocupados com a segurança de Coraline a cada nova virada. Não é a toa que ficamos tensos a cada frase distorcida que a personagem solta em seus diálogos, que alimenta o medo crescente que nos consome durante toda narrativa.

O livro chega através do selo Jovens Leitores da Rocco e nos conquistar já em sua capa. O verniz escondido no fundo preto ajuda a nos passar os temores encobertos na obra, mergulhando o leitor de cabeça na atmosfera do livro. As folhas amarelas e os desenhos primorosos e sombrios ajudam ainda mais na leitura, que ganha uma nova dinâmica e aprofundamento a cada virada de página da obra, demostrando todo carinho que a editora prestou à edição nacional.

Embora seja considerado um livro infantil por muitos, Coraline consegue despertar nosso medo mais profundo, explorando os temores da infância que achávamos ter deixado para trás. Embalado em uma narrativa primorosa, o livro nos leva a um pesadelo de outrora ao nos revelar que até mesmo nossos desejos de criança podem virar nossos piores inimigos.

“ – E por quê? – perguntou o gato, embora parecesse muito pouco interessado.
– Porque – disse ela – quando você tem medo e faz mesmo assim, isso é coragem.”

 

Ficha Técnica
  Livro Único

Nome: Coraline

Autor: Neil Gaiman

Editora: Rocco

Skoob

Preso em um espaço temporal, e determinado a conseguir o meu diploma no curso de Publicidade decidi interagir com o grande público e conseguir o máximo de informações para minhas pesquisas recentes além, é claro, de falar das coisas que mais gosto no mundo de uma maneira despreocupada e divertida. Ainda me pergunto se isso é a vida real ou apenas uma fantasia e como posso tomar meu destino nas minhas mãos antes que seja tarde demais...

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