Crítica | Capitão Phillips (Captain Phillips)

Nota
4.5

Uma adaptação biográfica pode significar a glória ou o caos na vida de um cineasta. Afinal, não é fácil reproduzir fielmente os acontecimentos reais e as personalidades retratadas. Há sempre um cuidado maior na abordagem, principalmente quando o retrato é de um fato disseminado mundialmente, como a tragédia do Titanic ou recortes referentes à Segunda Guerra Mundial.

Embora corra esse risco, o longa “Capitão Phillips” (2013) destoa desse problema e constrói uma biografia que tenta um vínculo mais próximo possível com a realidade. Aqui, somos enviados ao ano de 2009 e vemos a história de um navio cargueiro sequestrado por piratas somalis e seus desdobramentos, desde a raiz do problema às negociações para que o sequestro tenha um fim. Mais do que isso, observamos a relação do capitão-título da obra com seus marujos, bem como as motivações da tripulação pirata.

Nessa perspectiva, é interessante o modo com o qual Paul Greengrass apresenta seus personagens. Logo no início, percebemos que Richard Phillips é muito mais que um mero capitão e líder do navio: é a figura paterna daquele ambiente, como se todos dependessem de sua ótica e sua aprovação. Em menos de 30 minutos, podemos observar a significância dessa relação que se distancia dos tipos embrutecidos que ecoam nesse tipo de trabalho, mesmo que seja uma dura realidade.

Nesse viés, estariam os tripulantes e o experiente marujo preparados para qualquer adversidade? Quando o cargueiro é atacado pela pirataria somaliana, o filme ganha um gás. Se a tensão já paira no ar antes do ataque – afinal, o mar pode ser traiçoeiro e os riscos externos também são maiores, depois da invasão isso só se intensifica. Aos poucos, Greengrass molda as personalidades obscuras dos piratas e não os demoniza, apesar de coloca-los como os “vilões” da trama. Sua postura é de humanizar cada uma dessas pessoas, colocando-as na raiz do problema.

Quanto mais o espectador se mergulha na narrativa, mais aflito fica e parece que há uma conexão entre o filme e seu público. Nesse quesito, é válido pontuar a oposição que Phillips e Abduwali Muse – o líder dos piratas – fazem um com outro. Ainda que sejam separados pelas diferenças, são unidos pelo respeito que recebem de suas tripulações e pela liderança que exercem. Isso fica ainda mais nítido quando Muse assume o controle do cargueiro e subjuga Phillips, invertendo os papeis e construindo uma submissão.

Toda essa construção minuciosa só se enriquece cada vez profundamente graças à direção de Greengrass, que foca nas expressões dos personagens e consegue captar as emoções. Além disso, extrai a potência máxima de seus intérpretes, como se aquela situação estivesse realmente acontecendo e não existissem câmeras no local. Tudo flui naturalmente, mesmo que os verdadeiros tripulantes tenham questionado algumas situações do filme – tal qual a veia heroica do protagonista – e isso não impeça que a biografia renda frutos positivos. Afinal, é impossível retratar totalmente, embora seja fiel.

Além da direção impecável, o elenco também se destaca. Enquanto vemos um Tom Hanks contido na pele do capitão, observamos um Barkhad Abdi – indicado ao Oscar de Coadjuvante – explosivo como o comandante dos piratas. Duas atuações diferentes, mas unidas pelo mesmo brilhantismo. Hanks emula perfeitamente as nuances de seu personagem, fazendo com que o público sinta suas emoções – até quando são silenciosas. Abdi, estreante, se mostra ameaçador e humano, criando uma figura extremamente complexa e capaz de tudo em nome da própria sobrevivência. Em uma curta participação, Catherine Keener – intérprete de Andrea, esposa de Richard – se sobressai e mantém uma ótima presença. Grandiosos.

Avassalador, tenso e brilhantemente conduzido, “Capitão Phillips” é a prova viva de que uma biografia pode dar certo, ainda que não reproduza completamente os fatos narrados. Uma boa oportunidade para vermos atuações espetaculares e uma direção que preza por enquadramentos notáveis, permitindo que o espectador sinta a angústia do capitão e o pavor daquela condição, sob uma trilha sonora brilhante. Obra-prima.

 

Apenas um rapaz latino-americano apaixonado por tudo que o mundo da arte - especialmente o cinema - propõe ao seu público.

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