Nota
“Uma nota sobre bruxas.
Vejam, aqui temos um fato sobre elas:
Elas são reais!”
Um jovem garoto acabou perdendo seus pais após um violento acidente de carro, o que acabou fazendo com que ele precisasse morar com a sua avó materna no interior do Alabama. Com o passar do tempo, sua avó foi conseguindo curar a tristeza em seu coração e ensina-lo a voltar a sorrir, principalmente quando deu a ele sua maior companheira: a ratinha Daisy. Mas coisas estranhas estavam chegando no Alabama, e, quando o Garoto acabou encontrando com uma mulher macabra num mercado, sua avó imediatamente soube que tinha uma bruxa na cidade, uma daquelas criaturas malditas que, em sua infância, transformaram sua melhor amiga, Alice Blue, em uma galinha.
Para garantir a proteção dela e de seu neto, a senhora imediatamente decide passar um tempo no Hotel Imperial Grande Orleans, o hotel mais luxuoso da região, habitado por diversos brancos ricos e administrado pelo preconceituoso R. J. Stringer III. Mas o que a mulher não sabia era que o hotel estava recebendo, sob o disfarce do encontro da Sociedade Internacional de Prevenção à Crueldade Contra Crianças, uma convenção nacional de bruxas, com direito a presença até da Grande Rainha Bruxa, a mais poderosa e perigosa bruxa do país.
Em 1990 nós conhecemos a história de Luke e a Convenção das Bruxas da Inglaterra baseada no livro de Roald Dahl, vinte oito anos depois, Guillermo del Toro decidiu que queria recontar essa clássica história, que já habitou anos em nossa Sessão da Tarde, na forma de um stop-motion, um projeto que foi roteirizado pelo grande executivo e acabou sendo engavetado por dez anos, até que Robert Zemeckis e Alfonso Cuarón resolveram se unir a del Toro e produzir o longa, mudando para um live-action, ambientado no Alabama de 1960 e protagonizado por um ator afro-americano. A proposta do longa tinha tudo para dar certo, e a época em que a produção foi iniciada, sob a direção de Zemeckis, foi ideal para que o visual do longa ganhasse todos os efeitos especiais que merecia há anos, mas nem tudo são flores no reino de Hollywood.
O roteiro erra em alguns pontos e acerta em muitos outros, ele erra primariamente ao manter a impessoalidade do livro e chamar seus protagonistas apenas de “O Garoto”, “A Avó” e “A Grande Rainha Bruxa”, algo que nos faz ficar meio obtusos à trama, principalmente quando tudo é tão rico em representações e pompa, como é o caso do nome do gerente do hotel e das outras bruxas. A escolha de Octavia Spencer para o papel da Avó foi muito gratificante, Octavia se encaixa perfeitamente no papel que foi marcado por Mai Zetterling, e o roteiro adiciona à personagem diversos detalhes que enriquecem ainda mais a trama, principalmente a ligação da moça com a garota que vira galinha, substituindo a menina que é presa num quadro. A escolha por Codie-Lei Eastick ser um Bruno Jenkins exatamente igual ao original é outro ponto gostoso de se ver, o personagem, que é tão marcante por seu estereotipo no original, está perfeito em todas as épocas.
Jahzir Kadeem Bruno, interprete dO Garoto, tem um grande espaço em tela mas não consegue brilhar, tendo uma atuação morna, sem muita peripécia e um tanto quanto esquecível. O inverso pode ser dito de Stanley Tucci, que, como sempre, adiciona uma excentricidade bem humorada ao papel, que já tinha sido brilhante nas mãos de Rowan Atkinson e parece ter ficada ainda melhor interpretado por Tucci, roubando a cena todas as vezes em que aparece. Mas a grande estrela do longa é Anne Hathaway, e isso acaba causando um grande problema para o desempenho de sua personagem: a mania que alguns produtores tem de querer usar a aparência da atriz pra vender o longa e acaba prejudicando a trama para isso. No longa de 1990, a transformação de Anjelica Huston na Grande Rainha Bruxa é uma apoteose da feiura, a atriz perde completamente sua aparência até chegar a uma aparência horrível, que acabou sendo um marco na época, mas no filme de 2020, parece que todos tem medo de fazer a bruxa deixar de ter o rosto de Hathaway, eles adicionam efeitos no corpo da atriz que levam a transformação a um nível maior, escolhem uma atriz que desempenha um papel excelente, mas acabam errando por deixar o rosto praticamente intocável, o que faz a Grande Rainha Bruxa parecer só mais uma entre as dezenas de bruxas.
Entre erros e acertos, Convenção das Bruxas deixa um gosto agridoce em seu final, ele melhora o roteiro e os efeitos em diversos pontos, o que poderia ter feito o novo filme ficar bem mais brilhante do que o de 1990, mas se sabota ao fazer algumas alterações que impedem a trama de alcançar todo o seu potencial. Se pudéssemos fazer um retalho com o roteiro do longa de 2020 e do de 1990, tendo a vantagem de usar toda a tecnologia que atualmente está disponível para o cinema, com certeza teríamos uma obra de arte, mas não foi isso que tivemos. A adição de Mary e as mudanças sutis que criaram um desfecho completamente diferente para a obra foram uma força e tanto, mas a nostalgia pesa em vários momentos, e nem a excelente homenagem ao clássico, de colocar homens entre as bruxas para referenciar ao marcante problema de elenco que teve o filme de 1990, parece ser suficiente para calar aquele gostinho de que Zemeckis, Cuarón e del Toro tinham capacidade de ter feito um filme muito melhor do que o que foi entregue.
“Certo, suas demônias atadas, podem tirar suas luvas.”
Icaro Augusto
Sonhador nato desde pequeno, Designer Gráfico por formação e sempre empenhado em salvar o reino de Hyrule. Produtor de Eventos e CEO da Host Geek, vem lutando ano após ano para trazer a sua terra toda a experiência geek que ela merece.