Crítica | Anastasia (1997)

Nota
5

“Vento uivando no mar, quando eu ouço me lembro. Você vai vir pra mim, foi no mês de dezembro.”

Em 1916, na Rússia Imperial, a família do Czar preparava mais uma baile para comemorar o trigésimo aniversário do governo, mas, inesperadamente, o evento foi interrompido pelo antigo confidente imperial, um homem maligno e poderoso chamado Rasputin (Christopher Lloyd), que jogou uma maldição em todo sangue Romanov, determinando que a linhagem terminaria em quinze dias.

Trocando sua alma pelo poder de destruição necessário, o feiticeiro instigou uma revolução contra o governo. Desesperadas, a Viúva Imperial, Marie Feodorovna (Angela Lansbury), e sua neta mais nova, Anastasia (Kirsten Dunst), tentam escapar da multidão enfurecida que invade o Palácio, causando um massacre em todos que ali estavam. Ajudadas por um rapaz que trabalhava no Palácio, as duas conseguem passar despercebidas e fugir do infortúnio de sua família mas, enquanto tentam pegar um trem em movimento para longe de São Petersburgo, Anastasia acaba sendo separada de sua avó e batendo a cabeça no chão da estação.

Dez anos depois, a grandiosa São Petersburgo é apenas uma sombra do que já foi. A revolução acabou piorando o cenário e trazendo infelicidade ao povo, mas um boato circula entre a população, que a última descendente do cerco real continua viva, algo que se torna ainda mais intensificado pela busca constante da Imperatriz por sua neta perdida.

Pouco sabendo sobre isso, a jovem Anya (Meg Ryan) foi criada em um orfanato. Com poucas lembranças do seu passado, a moça guarda um único objeto que a liga à sua antiga família: um pingente com a inscrição “Juntas em Paris” gravada ao seu redor. Ao completar seus dezoito anos, ela é convidada a deixar o local e decide voltar a São Petersburgo para encontrar seu passado.

Lá, ela conhece Dimitri (John Cusack) e Vladimir (Kelsey Grammer), uma dupla de trapaceiros que está a procura de uma atriz que possa fingir ser a Grã-duquesa perdida. Juntos, eles partem para a cidade luz, determinados a encontrar a Imperatriz e, talvez, reencontrar o passado esquecido da moça. Mas, durante o caminho, o temível Rasputin recupera seus poderes e põe em prática seus planos para completar sua maldição.

Durante muitos anos, os estúdios Disney representavam o suprassumo da qualidade de animação, deixando suas concorrentes com uma exasperada sensação de fracasso em suas tentativas. Mas foi em 97 que a Fox trouxe sua tentativa mais ousada, reconstruindo a tão conhecida fórmula Disney e trazendo seu próprio tempero para um novo clássico inigualável.

Levemente baseada na história real, Anastasia é um verdadeiro marco dos estúdios Fox, trazendo uma beleza atemporal e uma qualidade memorável que perpetua até os dias atuais. Dirigido por Don Bluth e Gary Oldman, o longa mistura com maestria a lenda urbana conhecida no mundo inteiro com os aspectos fantasiosos introduzidos para acrescentar novas camadas a história.

A animação bem trabalhada consegue mesclar a beleza tradicional da técnica 2D com o brilhantismo detalhado da terceira dimensão, trazendo todo deslumbre necessário para o projeto. São detalhes bem colocados e easter eggs magníficos que brilham diante de nossos olhos, nos convidando a revisitar o filme e observa-lo com mais calma a cada nova visita (afinal, quem nunca notou as inúmeras celebridades históricas introduzidas na apaixonante sequência musical de Paris? Que falaremos mais adiante).

Embora seja sim um clássico conto de fadas, o longa consegue acrescentar inúmeros gêneros à sua narrativa, trazendo reviravoltas bem construídas para o roteiro. Ele consegue transitar entre o romance, drama, comédia e até mesmo o terror, sempre soando uniforme e fluido e sem perder, em momento nenhum, sua própria essência. Ao contrário de sua concorrência, o filme não tem medo de desmembrar seus personagens ou até mesmo trazer contextos mais sombrios, que dão um tom mais adulto a obra.

A recriação de cenários e a elaboração para que eles representem bem momentos chaves da narrativa são outro ponto esplêndido da animação. Logo antes do título aparecer em tela, somos presenteados com uma São Petersburgo coberta de nuvens, encobrindo seu cenário apenas para revelar que ela está longe de ser aquilo que imaginávamos. Suas ruas caóticas e seu povo sofrido encara as consequências da revolução e a falta de oportunidade que o novo governo instalou. Mas, mesmo em seu negrume cenário, ainda reside um fio de esperança para que a lenda urbana (extremamente proibida de ser narrada) seja verdade.

A arte decadente passa por uma transformação conforme avançamos para Paris, trazendo uma dualidade gratificante entre os dois cenários. A nova cidade é repleta de sonhos e luz, com tons chamativos e encantadores que fazem nosso coração disparar de empolgação. É também aqui que o desfecho começa a ser construído, colocando em prática todos os embates e dilemas que acompanhamos durante o filme.

Mas, o ponto ápice do filme são seus personagens. Anya está longe de ser uma protagonista doce e delicada. A jovem teve que aprender desde cedo a se virar por conta própria e, mesmo sem ter recordação de seu passado, sempre se mostrou determinada a seguir seu próprio destino e encontrar seu lugar no mundo. Obstinada, cabeça dura e não levando desaforo para casa, ela é o extremo oposto de uma mocinha indefesa que precisa ser salva pelo príncipe encantado. Anya é forte e sincera, nos conquistando desde o primeiro momento e criando um laço crescente com o público, que passa a desejar o melhor futuro para a personagem.

Dimitri sempre esteve determinado a sair lucrando em tudo a que se propunha. Malandro e manipulador, o rapaz entra em constante conflito com Anya, o que começa a despertar sentimentos mais fortes entre eles. O rapaz é um dos personagens que mais cresce ao longo da narrativa, despertando qualidades escondidas que ele mesmo não sabia possuir, a ponto de se tornar alguém melhor ao fim da jornada.

Mesmo em seus piores momentos, o rapaz consegue despertar nosso interesse e conduzir bem a história. Vlad tem uma personalidade mais amena e emocional que o rapaz que o acompanha. Familiarizado com a realeza, sua função é ensinar a moça tudo aquilo que ela precisa aprender, mas ele sempre consegue ser gentil e antecipar as viradas de emoções antes que os outros sequer notem esses sentimentos.

Mas, com toda certeza, o grande destaque vai para o vilão do filme. Repleto de um humor acido e cheio de veneno, Rasputin encanta e traz verdadeiros traumas visuais ao seu público. Seu tom sarcástico e assassino traz momentos oportunos de verdadeira crueldade, além de transpor tudo com sua veia cômica, que se torna uma ótima diversão no meio de tudo o que nos é mostrado. É dele um dos momentos mais macabros da trama, que marcou profundamente toda uma geração e consegue ser lembrado até hoje como uma das músicas mais macabras das animações.

Por falar em canções, o longa traz uma trilha que conquistou não só o público como a crítica. A primeira grande canção vem com os rumores que rondam São Petersburgo, nos apresentando não só ao mistério principal da trama mas a decadência da cidade. Logo depois somos apresentados a cativante Journey to the Past, que nos introduzir a todos os sonhos e solidão vivenciais por sua protagonista.

Então chegamos a um dos momentos chaves da trama com a épica Once Upon a December, que nos presenteia com um dos momentos mais encantadores e fantásticos da narrativa. Toda sua construção é magnifica, trazendo aquilo que existe de melhor na narrativa, além de definir bem o que viria a seguir. Um verdadeiro acerto da produção. In the Dark of the Night traz um dos momentos mais macabros e perturbadores da trama. Abusando dos desmembramentos e cenas verdadeiramente nojentas, a canção tem um teor perverso e verdadeiramente demoníaco, que faz seu vilão verdadeiramente brilhar.

Learn to Do It nos traz um momento divertido e agradável enquanto aprendemos, junto a protagonista, como se portar perante a realeza. A premiada At The Beginning nos fornece uma pausa propositadamente para apreciar sentimentos que cresceram durante a trama, além de nos encantar com toda sua simplicidade. Paris Holds the Key (to Your Heart) traz uma das mais lúdicas e poéticas canções do longa, nos jogando no coração da Cidade Luz com todos seus ilustres moradores e sua arte romântica em um deslumbre visual e sonoro.

Ousado e memorável, Anastasia consegue construir uma jornada marcante que nos encantar mesmo décadas após seu lançamento. Sem ter medo de ser sombrio nas horas certas, o longa traz um conto de fadas bem equilibrado que consegue encantar não só seu público alvo mas os adultos que se aventuram por ele. Seja por sua magia ou por suas qualidades técnicas, o filme merece ser apreciado e revisitado constantemente, afinal, nunca é demais lembrar o motivo pela qual estaremos juntos em Paris.

“Muito tempo passou, e o fulgor da lareira, na memória ficou disso eu sempre me lembro. E a canção de alguém… foi no mês de dezembro.”

 

Preso em um espaço temporal, e determinado a conseguir o meu diploma no curso de Publicidade decidi interagir com o grande público e conseguir o máximo de informações para minhas pesquisas recentes além, é claro, de falar das coisas que mais gosto no mundo de uma maneira despreocupada e divertida. Ainda me pergunto se isso é a vida real ou apenas uma fantasia e como posso tomar meu destino nas minhas mãos antes que seja tarde demais...

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