Crítica | Minari: Em Busca da Felicidade (Minari)

Nota
5

Quais são as dificuldades que um imigrante sofre longe de sua terra natal? Da instabilidade financeira ao preconceito, vários problemas surgem diante dessa jornada, principalmente quando são pessoas asiáticas em algum lugar do Ocidente. Em “Minari”, o cineasta Lee Isaac Chung destrincha essa noção, através de uma família sul-coreana que tenta um restabelecimento de vida nos Estados Unidos. Do início ao fim, acompanhamos, muito além dos obstáculos e das críticas sociais que permeiam esse tema, conflitos familiares e a ideia máxima de união quando tudo leva a uma possível separação.

Já nos primeiros minutos, somos apresentados aos membros dessa família, e às questões que os cercam. Aqui, conhecemos os patriarcas, Jacob e Monica, os cativantes filhos, David e Anne e a desbocada avó, Soonja, cada um com personalidades bem notáveis. Desde o princípio, o roteiro faz questão de diferenciar um familiar do outro na mesma proporção, o que desconstrói as semelhanças. De uma certa forma, Jacob surge como um homem sonhador à procura de nova perspectiva para a esposa e seus filhos. Embora tenha uma postura fantasiosa, é interessante observar que o personagem consegue manter firme seus pés no chão e ter ciência dos problemas e das dificuldades. Ao mesmo tempo que o pai parece buscar o famigerado “sonho americano”, percebe que tal sonho corre risco de se tornar um pesadelo quando enxerga a verdadeira face de muitos americanos que se dizem hospitaleiros. Em todo momento, a crítica – indireta ou não – está ali.

Enquanto o marido é mais sonhador, Monica é mais realista – mesmo que Jacob também seja. De alguma maneira, ela aparece como o esteio da família; uma espécie de equilíbrio. Ela, diferentemente do esposo, é mais enérgica e pontual, especialmente nos confrontos entre ambos. É nítido que Lee Isaac Chung tenta abalar a aparente harmonia dessa família e não foca somente nas problemáticas externas, mas nas internas também. Na mesma maneira que os dois se diferenciam, eles se completam – afinal, o que seria do sonho sem a realidade e vice-versa? Nesse aspecto, tais comportamentos distintos se respaldam nas crianças desse arranjo familiar. Assim como seus pais, David e Anne também são diferentes, mas iguais em certas personalidades. Não só repetem o que os pais fazem, mas também vivem a infância como deve ser – mesmo com todo tipo de adversidade que envolve essa família. Do início ao fim, o roteiro sabe conduzir essa questão com responsabilidade e cautela.

A chegada de Soonja, a avó, movimenta ainda mais a família. É interessante, nesse sentido, perceber que a idosa foge de qualquer estereótipo da idade, essencialmente pelo jeito debochado, sem papas na língua e livre. Mais do que isso, a relação entre avó e neto pauta a trama mais sensível dessa família, principalmente pelos trechos em que os dois brigam, mas não vivem um longe do outro. Nesse cenário, o roteiro não hesita em pôr camadas na composição da personagem e a transforma na melhor da história, especialmente por ser um perfil que corre fácil o risco de ser apagado. Soonja é divertida, rabugenta, completamente liberal – aqui, vale lembrar que os membros mais novos desse ambiente parecem mais conservadores do que ela – e, por mais difícil que possa parecer, amorosa quando quer. De um certo modo, a senhora tem um jeito “torto” de demonstrar afeto e isso fica nítido cada vez mais profundamente – e vai contra o modelo do “sonho americano”: uma avó “tresloucada”.

Partindo para os conflitos sociais, a xenofobia recebe um retrato sutil. Isso não significa que seja romantizada ou suavizada, mas que certas palavras são ditas em tom passivo-agressivo. Mais do que isso, a questão da aceitação da própria cultura – afinal, aquelas pessoas tentam se adequar às tradições americanas – é bem viva nesse meio, essencialmente quando eles colocam nas próprias cabeças que a cultura coreana é “errada”, como se a dos Estados Unidos fosse a única que merece seguidores – novamente, vale destacar que, em muitos casos, o Ocidente reconhece todos os países da Ásia hegemônicos numa só cultura, apagando o fato de que até mesmo entre as nações asiáticas, há diferenças de costumes. Isso não é culpa da família, que sofre com o preconceito. É culpa de quem pratica essas atitudes xenofóbicas e as torna imposições no cotidiano de estrangeiros. E Chung, enquanto descendente de asiáticos, sabe muito bem essa realidade.

Nos detalhes técnicos, a direção e a fotografia são muito bem aproveitadas. Não se vê grandes mecanismos para isso, pois tudo é simples e muito humanizado. E é justamente nessa simplicidade que moram a riqueza do filme – tal qual o olhar de Chloe Zhao em “Nomadland” – e os detalhes que encantam sempre. Os planos são realistas, encantadores e bem articulados, principalmente em trechos que exigem a realidade. A câmera fascinante de Chung sustenta os diversos aspectos da trama e realmente prende o espectador, assim como a construção humana dos cenários. Além disso, a fotografia capta tons cativantes e iluminados, fazendo jus a cada sensação evidenciada pelos personagens. Tudo em absoluta harmonia, sem dúvidas.

Com relação às performances, Steven Yeun e Youn Yuh-Jung, indicados ao Oscar (a segunda saiu vitoriosa), encantam com seus respectivos perfis. Enquanto o primeiro surge contido como o pai dessa família, a segunda constrói uma persona mais expansiva com sua desbocada avó. Os dois, cada um à sua maneira, fascinam e hipnotizam, especialmente Yuh-Jung. É visível que existe nesse papel uma extensão da própria atriz – uma senhora à frente de seu tempo e que não se importa com a opinião alheia. A parceria da intérprete com o pequeno Alan Kim, que interpreta David, é sensível, essencialmente pelas camadas desse relacionamento entre avó e neto que ora brigam, ora se divertem juntos. Escolhas muito bem valorizadas, certamente.

Num tom que exala sensibilidade, Minari finaliza com uma singela homenagem e sabe mesclar a história que deseja contar com as críticas aos obstáculos que muitas famílias imigrantes enfrentam num país que deve acolher e ajudar no restabelecimento. É um filme humano, com suas camadas e seus momentos de ternura e tensão também. É o tipo de obra que, acima de tudo, sabe dialogar com o espectador e tocar bem no fundo da alma, sem perder a oportunidade de usar a voz para criticar e construir ideias. Vale muito a pena ser visto, com toda certeza.

 

Apenas um rapaz latino-americano apaixonado por tudo que o mundo da arte - especialmente o cinema - propõe ao seu público.

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