Crítica | Boy Erased: Uma Verdade Anulada (Boy Erased)

Nota
4

“Queria que nada tivesse acontecido. Mas, às vezes, agradeço a Deus por ter acontecido.”

Jared Eamons deveria ser ‘um garoto normal’ do Arkansas, ele é filho de um pastor batista, vem de uma família exemplar e até chama a atenção de algumas garotas de sua congregação, mas Jared é diferente dos demais, ele sempre sentia que não se encaixava nas expectativas dos pais e, depois que ele entrou na faculdade, acabou seu namoro com Chloe e passou por experiências difíceis, que o fizeram começar a duvidar de sua sexualidade. Sua vida então vira de cabeça para baixo depois que Marshall, seu pai, recebe uma ligação suspeita e, junto com sua mãe, Nancy, decidem que é melhor Jared ir para o Love in Action, um programa/retiro religioso que busca eliminar tendências homossexuais de seus internos.

Livremente baseado no livro de memórias de Garrard Conley, o filme dirigido e roteirizado por Joel Edgerton cria em Jared um personagem para representar Conley, buscando dar um ar mais dramático à obra e fugir dos rótulos das adaptações biográficas. O longa inicialmente parece usar a experiência de Conley para criar a atmosfera em que Jared é imergido, salpicando os acontecimentos com personalidades reais por traz de nomes fictícios, que cruzaram a vida de Conley e que adicionam uma grande carga à mensagem por trás do longa, sempre tentando suavizar a experiência de Conley para passar a mensagem sem chocar demais o seu publico. Apesar disso, assistir ao filme ainda é uma experiência incomoda, ele vem duramente carregado com todos aqueles discursos de ódio que a sociedade moderna nos indica como errado, ele repete frases violentas que, frente ao teor religioso que a circunda, tomam um caminhos que pouco a pouco começam a dar uma aparência vilanesca ao programa.

Forte, pesado, duro e chocante, o desenrolar da história de Jared nos envolve de uma forma dolorosa, o roteiro nos prende aos eventos passados e presentes do garoto, alternando a vivência presente de Jared com cenas do passado que nos mostram como Jared foi parar no programa, e em como tudo que ele vive parece destrui-lo por dentro, desde o estupro de Henry até os métodos de Victor Sykes. Lucas Hedges entra de cabeça na produção, se entregando ao máximo ao seu personagem, com um protagonismo forte que só é evidenciado pelo roteiro objetivo e a companhia das duas lendas vivas que interpretam seus pais. Nicole Kidman e Russell Crowe estão impecáveis no papel dos pais de Jared, eles refletem todo o amor necessário e imprimem toda a problemática do conservadorismo que existe em certas famílias. Crowe vive um Marshall complexo, que teme as consequências dos sentimentos de Jared e representa todo o peso moral de um pai que ama seu filho mas não aceita sua sexualidade, algo que só é extremado pelo seu status dentro da igreja, mas é Kidman quem brilha na dinâmica do enredo, ela começa com uma frieza palpável, pelo medo do que está enfrentando, mas evolui de uma forma surreal, produzindo cenas tocantes, capazes de levar os espectadores às lágrimas.

Edgerton é outro destaque do longa, assumindo três cadeiras de destaque na pré e pós produção. Ele assume a direção de uma forma precisa, sem perder a elegância hora nenhuma, mesmo se tratando de um assunto tão polêmico, mas sendo levado a executar pequenas falhas na execução do longa (principalmente na hora de alocar os flashbacks e conecta-los ao presente do personagem). Ele pode ainda ser elogiado por sua atuação como roteirista, com um texto extremamente atual e emocionante, que assume um tom fluido e contrapõe com seus diálogos fortes, deixando clara a segurança que Edgerton possui ao conduzir a trama, sem medo de julgamentos. O envolvimento de Edgerton ainda se completa pela excelência que imprime ao interpretar Sykes, um ex-gay que comanda o Love in Action de forma bruta, sendo violento com certas abordagens e na busca por ‘curar’ seus internos. O personagem criado para personalizar John Smid é frio, conseguindo compor todas as facetas publicas que o homem real possui, criando um ‘vilão’ perfeito para o longa e contrapondo toda a dor de Jared.

Completamente injustiçado nas premiações, Boy Erased infelizmente perde muito em seus aspectos técnicos, ao nos apresentar uma fotografia e trilha mornas, quase sem vida, que não adicionam o tom melancólico que o filme merece. Apesar dessas falhas, a produção é carregada pelo carisma de seu elenco e a potencia de seus personagens, entregando um resultado final surpreendente, nos mostrando situações tão absurdas (como o exorcismo de Cameron) que poderiam facilmente ser classificadas como falhas num roteiro de ficção se não estivéssemos presenciando uma adaptação da realidade. Dando um destaque absurdo para os danos que o abuso psicológico causa em seus personagens, o exala um senso de emergência mas não entrega o tipo de denuncia que realmente deseja, mostrando o estrago que o programa deixa em seus internos. No final há a impressão de que faltou um pouco de coragem na hora de causar impacto, dando uma sutileza que faria uma ficção soar perfeita, mas que parece esconder a verdadeiro brutalidade da história real.

“Finja até conseguir”

 

Sonhador nato desde pequeno, Designer Gráfico por formação e sempre empenhado em salvar o reino de Hyrule. Produtor de Eventos e CEO da Host Geek, vem lutando ano após ano para trazer a sua terra toda a experiência geek que ela merece.

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