Nota
“Os mistérios que se prendem à história do Recife são muitos: sem eles o passado recifense tomaria o frio aspecto de uma história natural.”
Há muitos anos no passado, quando o natural e o sobrenatural andavam lado a lado pelas ruas de Recife, as assombrações eram tratadas como criminosos, perturbadores do sossego que eram combatidos pela policia. Quando trabalhava no jornal A Provincia, Gilberto Freyre acabou conhecendo os diversos relatos do Recife, e foi dai que lhe surgiu a ideia de reunir várias dessas histórias em um livro, que foi lançado em 1955, mas não foi só de relatos boca-a-boca que o livro foi construído, a policia, que era chamada para combater esses seres, contribuiu ricamente através da liberação de seus arquivos e Boletins de Ocorrência, o que ajudou Freyre a reunir relatos muito mais fieis aos eventos reais. Do bairro de São José até o bairro de Dois Irmãos, passando pela Ponte d’Uchôa e navegando pelas águas do Capibaribe, fica claro a cada página o quanto Recife é uma cidade construída sobre uma história sobrenatural, que recebeu visitas de fantasmas, barões, lobisomens e até do próprio Diabo.
Dividido em duas partes, brutalmente desiguais, o livro que foi originado da pesquisa de Freyre reúne mais de trinte e nove relatos sobre os diversos lugares do Recife, começando por Alguns Casos e finalizando com Algumas Casas. Temos o relato do dia que Adelmar Tavares cruzou com o Boca-de-Ouro enquanto passeava pelos cais do Capibaribe, sobre a noite que a negrinha Josefina Minha-Fé estava andando pelas ruas do Poço da Panela e foi atacada por um Lobisomem que por ali morava, sobre o dia que o Barão de Escada surgiu pelas ruas de Recife, sobre a moça de Apipucos que resolveu visitar o Riacho da Prata para uma simpatia de Santo Antônio e acabou sendo levada pela assombração da judia Branca Dias, sobre a Rua Malaquias que vive inteiramente assombrada há anos, sobre o negro de um rico doutor que andava pelas ruas de recife com um saco nas costas para pegar crianças e dar o fígado para um tratamento medonho de seu chefe (personalidades que são conhecidas em Recife como Homem do Saco e Papa-Figo).
“Pois o Recife antigo teve uma rua chamada do Encantamento. Era uma rua por trás da do Vigário.
Sua história […] É das que mais enchem de sobrenatural o passado recifense.”
Há ainda os relatos sobre o menino feliz que aparecia para brincar em uma certa casa da Boa Vista, sobre o sítio que existia onde hoje é o Country Club do bairro dos Aflitos e que abrigou uma velha senhora que era assombrada por um Bode Vermelho, sobre o Lobisomem de Beberibe e seus ataques noturnos, sobre o Visconde de Saint-Roman que decidiu viajar sozinho da França ao Recife e nunca chegou, sobre os dois estudantes de Recife que receberam em seu quarto a visita de um ser inesperado, sobre os vultos que condenaram o Sobrado das Estrelas, sobre o caos fantasmagórico que existia na casa de esquina do Beco do Marisco (hoje chamado de Rua Frei Henrique), sobre as assombrações que viviam junto com os vivos em uma casa na Rua Imperial, sobre um sobrado habitado por almas na Rua Augusta (atualmente conhecida como Avenida Dantas Barreto), sobre a casa da Imbiribeira assombrada pelas vítimas fuziladas pelo Marechal de Ferro, e outros tantos relatos que envolvem Cabra Cabriola, Mães d’água e tantas outra entidades poderosas do Recife, sem poupar qualquer casa, qualquer rua ou qualquer pessoa, muito menos o suntuoso Teatro de Santa Isabel.
Didático, envolvente e avassalador, Assombrações do Recife Velho é uma obra essencial para a bagagem de qualquer Recifense, que nos leva ao passado nunca contado nos livros de História e às origens das lendas que circulavam no passado, que acabaram sumindo nos últimos anos, mas que são uma pedra preciosa na história da cidade. Com uma linguagem direta, sem rodeios e cheio de informação, Freyre não mede esforços com essa reunião de relatos, nos apresentando relatos curtos, de um paragrafo ou uma pagina, até os mais extensos, que se desenrolam através dos anos e das páginas. Suas mais de 200 páginas podem até parecer fugir do tema histórico que Freyre sempre se ateve, mas ele deixa claro o tempo todo que a história de uma cidade não é apenas os relatos comprovados, que nomes de ruas e até apelidos surgiram através das experiências sobrenaturais que alguns passaram, deixando claro que os tempos podem ter mudado, mas ainda precisamos ter atenção ao andar pelas ruas assombradas do Recife, seja pelo risco de encontrar os inúmeros fantasmas que ali estão presos ou os inúmeros seres obscuros que por ali transitam.
“Pobre da cidade ou do homem cuja história seja só história natural.”
Ficha Técnica |
Livro Único Nome: Assombrações do Recife Velho Autor: Gilberto Freyre Editora: Global |
Skoob |
Icaro Augusto
Sonhador nato desde pequeno, Designer Gráfico por formação e sempre empenhado em salvar o reino de Hyrule. Produtor de Eventos e CEO da Host Geek, vem lutando ano após ano para trazer a sua terra toda a experiência geek que ela merece.