Crítica | Encanto

Nota
5

“Qualquer que seja o seu dom, será tão especial quanto você.”

Há 50 anos, na hora mais sombria de suas vidas, a família Madrigal encontrou sua luz. Um pequeno milagre que guiou cada um daqueles que estavam ao seu redor, os protegendo dos perigos externos e os isolando em um ambiente mágico, repleto de encanto. Desde então, cada descendente da família ganhou um dom, usado para ajudar a comunidade na qual estão inseridos e os tornando únicos e poderosos… todos, exceto Mirabel (Stephanie Beatriz).

Mas, durante a cerimônia de revelação dos poderes de seu primo, Antônio (Ravi-Cabot Convers), Mirabel percebe que algo errado está acontecendo em sua preciosa Casita. Profundas rachaduras começam a aparecer por todos os lugares, e até mesmo a vela que os protegeu durante tanto tempo parece ter perdido a sua força.

Desesperada, a garota tenta alertar sua família, apenas para ser desacreditada por aqueles que ama, o que a deixa ainda mais decidida a encontrar as raízes do problema e proteger a magia, custe o que custar. Mas como ela, a única criança Madrigal sem poderes, poderia salvar aquilo que tornou sua família excepcional?

A cada novo ciclo, o Walt Disney Animation Studios renova sua maneira de contar estórias. Seja pela introdução de um novo padrão de enredo ou simplesmente pela subversão daquilo que sempre ligamos ao “jeito Disney de ser”. Pois bem, nessa última década, uma nova vertente do estúdio resolveu aflorar, acompanhando as novas dinâmicas do mercado e explorando um caminho que, em outro momento, o estúdio nem sonharia em cogitar.

Encanto faz parte dessa nova leva. Dirigido por Byron Howard e Jared Bush, o 60° longa animado da Disney representa bem o novo seguimento que o estúdio adotou. A animação acompanha uma família colombiana que, expulsos de seu vilarejo natal, vivem isolados em uma ambiente mágico criado para protegê-los dos perigos exteriores. Cada membro da família aprende a ser útil para sua comunidade, encarnando sua versão perfeita a ponto de esconder as rachaduras internas que poucos parecem enxergar.

A narrativa então decide destruir a figura da família modelo, introduzindo, através dos olhos de sua protagonista, a pressão familiar que tantos de nós passamos a conhecer em nosso dia-a-dia. Mirabel sempre precisou ser mais do que era, tentando compensar sua falta de poderes em fazer aquilo que deixaria sua família orgulhosa. Sentindo-se escanteada, a garota esconde sua dor em forma de otimismo, sendo proativa e estando onde quer que precisem dela… Mesmo quando não solicitada pelos demais. Mas, após deixar aflorar seus verdadeiros sentimentos, a protagonista começa a entender que a visão perfeita que tinha de seus parentes não parece ser tão perfeita assim.

A pressão pela perfeição acaba sufocando todos ali presentes, trazendo um trabalho contínuo em apresentar aquilo que se espera e negligenciando o verdadeiro eu de cada ser. As inseguranças, medos e cobranças passam a ser latentes, demonstrando que não importa o quão poderoso ou idolatrado você seja, ainda possuirá lacunas que te tornarão falho e humano. O pertencimento dentro da própria família e o peso por ser definido, ou não, pelo dom que recebeu traz rachaduras significativas, que só podemos enxergar quando chegamos perto do real problema.

O roteiro explora a beleza da humanidade real de seus personagens, trazendo uma ligação emocionante que nos conecta diretamente com tudo aquilo que nos é mostrado. É impossível não se ligar a seus dilemas e nos aproximarmos de cada um em seu momento oportuno, chegando até mesmo a mudar nossas visões sobre determinadas personas, quando percebemos que, assim como a protagonista, encaixamos aquelas pessoas em caixas pré-estabelecidas sem a menor descrição.

A quebra das expectativas traz uma nova realidade à trama, nos deixando enxergar outros lados da mesma história e sobre como cada um se vê dentro daquele grupo. As diferentes visões sobre a família engrandecem ainda mais o texto mostrado, trazendo dinâmicas sublimes que nos encantam e nos fazem refletir sobre aquilo que nunca procuramos enxergar dentro dos nossos próprios lares.

Os personagens são tão ricos e cativantes que nos conectamos até mesmo com os que tem pouco tempo de tela. Camilo (Rhenzy Feliz) e Dolores (Adassa) são ótimos exemplos disso. Embora possuam pouquíssimo tempo, os personagens conquistam o público, nos fazendo desejar conhecer ainda mais sobre sua própria história. O lado familiar da protagonista ganha um destaque maior, desconstruindo aquilo que nos é apresentado logo de início. Ambas as irmãs de Mirabel ganham solos estonteantes, que descontroem suas personas e nos apresentam novos aspectos sobre a personalidade de cada uma. Luísa (Jéssica Darrow) aparenta ser forte e nunca deixar ninguém na mão, enquanto Isabela (Diane Guerrero) é a personificação da perfeição.

Abuela Alma (Maria Cecília Botero) é uma matriarca rígida e controladora, servindo como cerne familiar e representando bem um aspecto cultural que todos passamos a reconhecer. Mas, acima de tudo, precisamos falar sobre o Bruno (John Leguizamo). O tio mais afastado e misterioso da família traz o debate oportuno de como somos vistos dentro de nosso próprio lar, principalmente quando tudo o que fazemos não parece ser o suficiente para nos manter presente em um ambiente que só enxerga nosso pior lado.

O caminho espinhoso, repleto de formas de ser machucado, mesmo que indiretamente, por aqueles que deveriam ser nosso porto seguro, trazendo um corajoso debate para dentro do longa. As mudanças de tom vão sendo construídas sutilmente, acentuando ainda mais o brilhantismo da trama ao mudar tudo aquilo que achávamos conhecer. Mas, boa parte desde trabalho se deve à criatividade impecável presente nas músicas criadas por Lin-Manuel Miranda.

Trazendo sua própria assinatura ao projeto, Lin constrói uma trilha crescente que mistura os ritmos latinos com inúmeros contraentes deliciosos. É impossível não recobrar de outros trabalhos do compositor, trazendo uma felicidade estonteante ao percebemos suas nuances dentro do musical. O excesso de personagens poderia apresentar um problema, trazendo uma falta de conexão do público para com eles a ponto e não reconhecermos seus diferentes aspectos ao limpar da película. Mas Lin tira isso de cena ao trazer a energética The Family Madrigal, onde não só reconhecemos cada personagem como aprendemos suas peculiaridades e funções dentro da comunidade.

Waiting on a Miracle é o solo da protagonista, expondo todos os sentimentos guardados por Mirabel enquanto observa a distância entre ela e aqueles que ama. A emocionante canção já consegue virar a dinâmica e nos deixar verdadeiramente emocionados, algo que cresce ainda mais com o passar do longa. Surface Pressure serve como a desconstrução de Luísa, que carrega o peso e responsabilidade da família nas costas a ponto de não conseguir enxergar quem ela seria sem seu dom.

Mas eis que surge We Don’t Talk About Bruno, uma das melhores músicas do longa. A visão quase demoníaca dos poderes de Bruno criam um caos magnífico que cativa todos que escutam a canção. Cada personagem expõe suas lembranças sobre o misterioso membro, trazendo uma vertente magnífica sobre pontos que ninguém dentro da vila deseja falar. A música ainda consegue trazer diferentes tons para cada persona e mistura-los de uma maneira apoteótica, que continua conosco mesmo após termos visto o filme. Acredite, mesmo que tenham se passado semanas após a exibição, sua mente vai continuar retornando aos acordes desse canção.

What Else Can I Do? explora o florescimento de Isabela, que se cansa da perfeição constante na qual foi encaixada durante toda sua vida para viver o real, o que traz um crescimento maravilhoso à personagem que nos conquista de imediato em sua nova versão. Já Dos Orugitas (cantada por Sebastián Yatra) utiliza sua letra poderosa para nos fazer entender todas as dores secretas carregadas até ali. Como era de se esperar, All of You traz um complemento perfeito para a jornada, elaborando um constante referenciamento narrativo que encerra bem aquilo que nos foi contado. O longa ainda nos presenteia com a magnífica Colômbia, Mi Encanto que traz a celebração latina que tanto amamos na voz estonteante de Carlos Vives.

Encanto consegue subverte aquilo que esperávamos e trazer um saldo mais do que positivo para os amantes das animações. Poderoso, magnífico e extremamente profundo em seus dilemas, o longa explora uma veia narrativa genuinamente cativante, nos fazendo refletir sobre como nos enxergarmos dentro de nossas famílias e como podermos conhecer melhor aqueles que estão ao nosso redor. Se decidimos nos abrir um pouco mais para conhece-los verdadeiramente como são.

 

Preso em um espaço temporal, e determinado a conseguir o meu diploma no curso de Publicidade decidi interagir com o grande público e conseguir o máximo de informações para minhas pesquisas recentes além, é claro, de falar das coisas que mais gosto no mundo de uma maneira despreocupada e divertida. Ainda me pergunto se isso é a vida real ou apenas uma fantasia e como posso tomar meu destino nas minhas mãos antes que seja tarde demais...

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