Crítica | O Formidável (Le Redoutable)

Nota
4

Jean-Luc Godard, um dos mais importantes cineastas de sua geração, está filmando ‘La Chinoise’ com a mulher que ama, Anne Wiazemsky, 20 anos mais jovem. Eles são felizes, atraentes, apaixonados e se casam. Mas a recepção do filme desencadeia uma profunda reflexão em Gordard e os eventos de maio de 68 em Paris vão amplificar esse processo. Assim, a crise que abala o cineasta irá transformá-lo profundamente, de um superstar à um artista Maoísta inteiramente fora do sistema e incompreendido.

“Quando o senhor vai voltar a fazer filmes divertidos?” Era essa a pergunta que o cultuado cineasta francês Jean-Luc Godard mais escutava de seus fãs após declarar “morte” aos seus filmes comerciais rotulados, de acordo com o próprio, com o selo burguês. Em “O Formidável”, vemos a transição de um dos criadores do movimento francês da Nouvelle Vague para o estilo Dziga Vertov, ou seja, a concepção de cinema político de “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”, fazendo com que, dessa forma, o filme não funcione apenas como uma biografia da vida de Godard, mas como uma releitura bem detalhada e corajosa de uma das mudanças mais significativas de sua carreira.

Dirigido pelo vencedor do Oscar Michel Hazanavicius, que atraiu diversos holofotes com o igualmente formidável “O Artista” (2011), “O Formidável” esbanja simpatia ao falar da antipatia e extremismo de Jean-Luc Godard, sem cair nas graças da cinebiografia que glorifica alguma figura histórica que nem sempre é vista como ela verdadeiramente é devido à fama e realizações. Se existe uma coisa que a produção de Hazanavicius consegue fazer, e com louvor, é focar bem na crise enfrentada pelo cineasta durante as revoluções em Paris em 1968, sua sensação de necessidade de entrar para a luta e abraçar fortemente a ideologia comunista e o descontentamento do público com seus filmes políticos.

Inspirado na autobiografia da sua ex-esposa e atriz principal, Anne Wiazemsky (Stacy Martin, talentosa, expressiva e, ao mesmo tempo, adorável), “Un an après”, o filme também mostra a conturbada relação entre a jovem artista, na época com apenas 20 anos, e o cineasta arrogante, interpretado excepcionalmente por Louis Garrel, onde ela precisa suportar as manipulações ideológicas de seu marido assim como seus desentendimentos com as pessoas ao seu redor devido a sua intolerância política. Porém, ao mesmo tempo em que o foco no relacionamento por um fio do casal é parte fundamental da trama, há momentos que a tensão se intensifica a ponto de fazer o público se perder por um momento em qual seria o verdadeiro tema de “O Formidável”, se é o romance entre Wiazemsky e Godard ou a política do diretor.

O roteiro, escrito também por Michel Hazanavicius, levanta importantes questionamentos sobre a política no cinema, se é realmente fundamental explorar ideologias de direita e esquerda e, assim, se distanciar do entretenimento que a sétima arte proporciona diante das amarguras da vida. Há também debates interessantes sobre a relação diretor x ator, alienação (tema tão comentado por Godard que o próprio mal percebeu que estava se auto alienando aos poucos), aceitação e intolerância. Temas esses que são bem distribuídos numa narrativa cheia de referências técnicas às obras de Jean-Luc Godard, como fotografia, posicionamento de câmera, cores, entre outros elementos que compõem a ótima estética visual de “O Formidável”.

Godard foi/é um grande visionário do cinema francês, não há dúvidas. Como pessoa, talvez não tenha sido o melhor marido, amigo, político, assim como muitos artistas que ainda não tiveram uma biografia bem representada no cinema. “O Formidável”, apesar de discretamente desequilibrar o romance em crise da crise ideológica e profissional, faz jus ao nome e entrega um filme carismático que trata temas dignos de questionamentos. No final, talvez nos identifiquemos com Godard devido ao período revolucionário que todo jovem (o cineasta era declarado o diretor da juventude) uma vez já tenha passado e reconheça o exagero e falta de visão de alguém que quer mudar o mundo por querer “ingressar numa tribo” e, na maioria das vezes, acabar perdendo a razão.

E assim segue a vida a bordo do Formidável.

 

Jornalista, crítico de cinema, fotógrafo amador e redator. Quando eu crescer, quero ser cineasta.

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