Nota
“Fale Comigo […] Pode entrar.”
No dia do aniversario de dois anos do suicidio de sua mãe, Mia, uma garota de 17 anos problematica e que saiu recentemente de uma profunda fossa depressiva, convence sua melhor amiga, Jade, a leva-la para uma festa organizada por Joss e Hayley. Apesar de parecer uma festa normal a primeira vista, logo ela revela sua face obscura ao chegar o momento em que os convidados se reunem ao redor de uma mão decepada e embalsamada, supostamente de um poderoso médium, e um deles pode se voluntariar a vivenciar a experiencia de, ao tocar na mão, conjurar e ser possuido por um espirito, uma experiencia que desencadeida uma sensação tão poderosa quanto usar drogas, mas que não pode durar mais do que noventa segundos. O problema é que, depois que Mia acidentalmente passa dos noventa segundos, ela começa a vivenciar experiencias inesperadas e acaba fazendo parte de outra rodada do jogo que dá errado, deixando aberta uma porta para o mundo espiritual.
Com roteiro e direção de Danny e Michael Philippou, Fale Comigo é a obra de estreia dos gêmeos australianos nas telonas, marcando a virada na carreira da dupla, que fez sucesso com suas parodias mega produzidas para o YouTube, e que entrega um trabalho surpreendente, digno de veteranos. A trama constroi sua mitologia de forma clara e concisa, brincando com os buracos para despertar a curiosidade e o misterio ao redor de suas protagonistas, ao mesmo tempo que vai descascando as camadas dos adolescentes e entregando eles, de forma vulneravel, ao mundo sobrenatural. A palavra de ordem do longa é mistério, somos apresentados ao misterio sobre o que está acontecendo com Mia, ao misterio sobre a morte de Rhea (mãe de Mia), ao misterio sobre a origem da mão e seu funcionamento, ao misterio sobre como reverter o acidente da última roda e, principalmente, ao misterio de buscar entender o que é verdade e o que é mentira entre as coisas que os espiritos revelam. O longa brinca com o estado de espirito de seus personagens na hora em que toca a mão para determinar que espiritos eles vão atrair, e isso fortalece a narrativa de uma forma imaginavel, assim como traz em sua introdução uma cena desconexa que posteriormente ganha relevancia na trama, algo que não é novidade, mas toda a construção de Fale Comigo parece ser bem resumida nessa cena ao, por meio de Duckett, esclarecer o perigo do uso da mão.
Responsavel por ser o foco dramático do longa, Sophie Wilde entrega uma Mia complexa e tenue, que vai criando um laço empatico com o publico e nos coloca no centro das experiencias sobrenaturais que ela vive, em meio a toda a confusão e curiosidade sobre o que realmente está acontecendo, sobre o que vai acontecer a seguir e sobre os objetivos dos envolvidos. A atriz se engrandece no decorrer do longa a medida que os outros membros do elenco vão sendo colocados em segundo plano, com o longa colocando todos os eventos se desenrolando do seu ponto de vista e deixando a sua personalidade egocentrica influenciar até as cameras, mesmo assim os cineastas ainda conseguem manter todos os membros do elenco relevantes e não deixem aquela sensação de criados só para morrer. A trama ainda se apoia na modernização do estigma ritualistico, que abandona aquele padrão obscuro de reuniões tensas que vemos na franquia Sobrenatural e vai criando sua identidade ao fundir a intensidade de mexer com o sobrenatural com o poder da pressão social, nas festas temos celulares gravando as possessões, risos e gritos de incentivo, deixando tudo muito mais obsessivo e brincando com os limites que a possessão permite explorar. A participação de Miranda Otto é precisa, interpretando Sue, a mãe de Jade, a atriz consegue facilmente transitar entre o drama e a comédia, criando até certa quebra de tensão na maravilhosa cena que resolve investigar sobre a festa.
Considerado por muitos como o terror do ano, Fale Comigo é um terror robusto, divertido e bizarramente intenso. As ideias que os irmãos Philippou integram ao filme parece trazer um frescor no gênero que torna ele fora dos padrões, envolvente de uma forma viciante e que pode ser a justificativa do hype que surgiu ao redor desse conto de possessões da A24 e que já garantiu sua sequência. O longa sabe deixar aberturas sem criar uma necessidade de respostas, ele cria uma curiosidade que vai se elucidando no momento certo e não cria uma expectativa, é como se as perguntas fossem a chave para a experiencia toda funcionar, principalmente quando a trama de adolescente traumatizada de Mia começa a se transformar em algo ainda mais denso, violento e sangrento, construindo um universo cheio de teorias que podem facilmente ser exploradas em vindouros filmes. A maquiagem e os jumpscares ornam com o longa, criando um clima que só nos envolve ainda mais com toda a tensão, não se apoiando tanto nos sustos para criar o medo e sim na trama, o que torna cenas como a visita ao ‘inferno’ e o ato final ainda mais significativas. O longa bebe bastante em O Babadook, filme que os gêmeos Philippou fizeram parte do elenco, e podemos ver claras inspirações dos irmãos nas tecnicas de direção de Jennifer Kent, algo que fica ainda mais claro por eles terem trazido o mesmo editor de roteiro e o mesmo produtor do filme de 2014. Fica claro o quanto o longa tem o cuidade de soar atual sem exagerar e criar debates profundos sem alardear.
Icaro Augusto
Sonhador nato desde pequeno, Designer Gráfico por formação e sempre empenhado em salvar o reino de Hyrule. Produtor de Eventos e CEO da Host Geek, vem lutando ano após ano para trazer a sua terra toda a experiência geek que ela merece.