Crítica | Carol

Nota
5

É época de natal na Nova Iorque dos anos 50. Carol Aird, uma mulher elegante, de 40 anos e com um ar de mistério vai a uma loja de brinquedos atrás de um presente para a sua filha, Rindy. Seu olhar cruza com de Therese Belivet, uma jovem funcionária da loja, provocando um encantamento imediato. A moça diz que com 4 anos de idade gostaria de ganhar uma trilha de trem em miniatura. Carol, então, sem hesitar, compra o brinquedo, anotando seu endereço e telefone para Therese. Antes de ir embora, ambas se olham profundamente, de relance. Carol “esquece” suas luvas no balcão da loja, e Belivet as entrega juntamente com o brinquedo. Através de uma ligação de agradecimento, Aird a chama para almoçar. Esse é o ponto de partida para o envolvimento tão intenso que cresce entre as duas.

Lançada em 2015 e dirigido por Todd Haynes, famoso por seus melodramas. A obra, através de uma sensibilidade inigualável, consegue retratar a profundidade e as nuances do desenvolvimento de uma conexão entre duas mulheres. O filme aborda pautas extremamente difíceis, principalmente na época em que se passa, de uma forma extremamente responsável e bem feita. A protagonista está passando por um processo de divórcio com Harge Aird, um casamento que estava sendo mantido apenas por aparências. Contudo, ao descobrir que ela teve um envolvimento amoroso com Abby, sua amiga, o homem resolve dar fim ao matrimônio. Harge, de forma agressiva, fica exigindo que Carol volte para ele, agindo muitas vezes como se sua relação com ele fosse o caminho certo a se seguir, e o que desviasse isso seria uma má influência à filha deles. Portanto, ele a ameaça. Proíbe Carol de ver Rindy e inicia um processo judicial.

Acompanhamos ela lutando por sua filha, já que Harge utiliza os envolvimentos de Aird com mulheres como forma de “indecência ”, alegando que ela quebra a cláusula de moralidade, exigindo, dessa forma, a guarda unilateral da menina. Toda essa situação que envolve tanto homofobia, quanto machismo causa um desgaste emocional enorme na personagem, que mesmo assim, segue vivendo a sua verdade. É muito bonita a forma que a personalidade da Carol é trabalhada. Principalmente o fato de ser mãe e amar muito a sua filha, mas ao mesmo tempo nunca negar ter relações com mulheres, e não abrir mão delas, por saber que não consegue mais mascarar sua existência. É muito forte e importante para tantas mulheres LGBTQI+, a sua fala: “Houve um tempo em que eu me prestaria a qualquer coisa, me trancaria com a Rindy só para tê-la comigo. Mas qual será minha utilidade para ela se eu negar minha própria essência?” Como comum em filmes que abordam a lesbofobia, a obra não retrata de forma escrachada a violência que Carol sofre e já sofreu por ser lésbica, essas questões são representadas como pano de fundo. Ficamos cientes que a protagonista passa por tudo isso, mas o filme traz um enfoque bem maior no amor que é desenvolvido entre ela e a Therese.

Cate Blanchett realiza um trabalho louvável interpretando Carol Aird, conseguindo transmitir o impacto de uma personagem de personalidade forte e madura que enfrenta a sociedade intolerante dos anos 50. Carol é decidida, determinada, elegante e romântica. O olhar da protagonista para a Therese é avassalador. O desenvolvimento dela é incrível. Prende o nosso olhar a forma como ela se apaixona pela Therese e não sente medo do seu sentimento. Ademais, é muito interessante de acompanhar a relação leal e confidente que ela tem com sua ex amante de anos, Abby (muito bem interpretada pela Sarah Paulson), além da maturidade e sensatez que adquire para lidar com as burocracias relacionadas ao seu divórcio. A atriz tem o talento de conseguir fazer com que Carol seja tão envolvente, ao ponto do espectador se apaixonar por ela. Ao longo da obra conhecemos o seu lado mais forte mas ao mesmo tempo o mais vulnerável.

Quanto à Therese, Rooney Mara também realiza um trabalho esplêndido ao capturar muito bem a essência da personagem. Therese é uma jovem curiosa, sensível e apaixonada por fotografia. Ela se relaciona com Richard, rapaz que está constantemente insistindo em avançar na relação com ela, planejando uma viagem à Europa, confraternização com sua família e até mesmo casamento. Contudo, Therese não demonstra interesse em nada disso. Ela nunca havia se sentido tão viva, até conhecer Carol. O encantamento a provocou sensações que, até então, ela desconhecia. Carol a chama para uma viagem de carro de fim de ano. Sem hesitar, Therese já se sente tão fascinada por aquela mulher, que aceita o convite. Essa viagem faz as duas ficarem cada vez mais próximas. E é belíssima a forma que a relação delas evolui. As cenas de sexo acontecem depois de uma progressão de acontecimentos que as tornam mais íntimas, e são muito emocionantes. Diferente de muitos filmes dirigidos por homens, não são cenas demoradas, que sexualizam as duas, o chamado “male gaze”. Pelo contrário, nesse filme podemos dizer que existe o “female gaze”, cenas a partir de um ponto de vista feminino. É a sutileza presente na fotografia, na direção, montagem e na escolha da trilha sonora para capturar um momento tão íntimo de amor entre duas mulheres. Algo bastante marcante também é a cena de comemoração do ano novo, que ambas não rompem sozinhas pela primeira vez.

As protagonistas têm uma química incrível. É encantador acompanhar cada detalhe do desenvolvimento de um amor tão profundo, que evolui de forma tão sutil, bela e delicada. As falas são extremamente marcantes. Na primeira vez que almoçam juntas, a Carol observa intensamente a Therese falando “que garota estranha você é, caiu do céu”, a forma como a protagonista descreve a amada é tão autêntica, que torna a obra algo memorável. A cena final é inesquecível. Todd Haynes destaca bastante a questão do olhar como forma de conexão entre as protagonistas. Portanto, ao repensar sobre o convite que Carol a fez de irem morar juntas, Therese resolve ir embora do lugar onde estava, onde demonstra desconforto, por não se sentir ela mesma, e vai atrás da sua amada. Assim que Aird avista Therese, ambas lançam um olhar apaixonado. E não é preciso mais nenhuma fala. A forma que elas se olham já traz a mensagem que a obra quer passar ao espectador. Carol, dessa forma, é o retrato perfeito da intensidade existente na relação entre duas mulheres. Ao mesmo tempo que existe o encanto, a sedução e a admiração sublime, existe o companheirismo e a sensação de segurança que intensifica o afeto mútuo.

 

Estudante de cinema, pernambucana

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