Nota
“Caso não tenha adivinhado, essa não é uma história de amor…”
Ellie Chiu é uma estudante tímida, isolada e sem amigos da remota cidade de Squahamish, onde ela ganha um trocado extra fazendo trabalhos extras para seus colegas do ensino médio. Mas, quando Paul Munsky, o atleta da escola, vem procurar ela, é para que ela escreva cartas de amor para Aster Flores, a garota que Munsky está afim e por quem Ellie é secretamente apaixonada. Se sentindo desafiada, Ellie resolve ajudar Paul, se envolvendo num complicado triângulo de amizade à medida que as conversas avançam, que ela, se passando por Paul, começa a colocar seus sentimentos à mostra, e que as conexões entre Ellie e Aster começam a ficar cada vez mais claras, mesmo que a garota popular da escola não saiba que o atleta por quem está se apegando é na verdade a nerd tímida que senta a poucas cadeiras dela.
Todos conhecemos o típico clichê dos filmes de triângulo amoroso, onde o mocinho pede ajuda da nerd para conquistar a garota popular e, numa grande reviravolta previsível, a garota nerd acaba se apaixonando por ele e demora quase todo o filme para ele perceber quem está amando de verdade. Mas o que aconteceria se alguém pegasse esse clichê e transformasse completamente? É isso que Alice Wu faz em Você Nem Imagina, ela pega o clichê e tira toda a previsibilidade das paxonites que surgem no caminho, desde a primeira cena ela deixa claro que Paul e Ellie amam a mesma garota, e é esse sentimento que torna a relação deles, que rapidamente se transforma em uma forte amizade, extremamente perigosa, pois Ellie está cativando uma garota comprometida, afinal Aster namora Trig Carson, cuja família é a mais rica da cidade, ao mesmo tempo que está transformando Paul no namorado perfeito para a garota que ama, tudo é complicado nesse filme, e é essa complicação que faz o roteiro escrito e dirigido por Wu ser tão sublime.
Com algumas frases de diversos pensadores sobre o amor, o longa brinca com os clichês ao mesmo tempo que foge completamente deles. Leah Lewis surpreender bastante como Ellie, sabendo construir toda a tímidez e doçura da imigrante chinesa ao mesmo tempo que explora suas questões internas sobre amadurecimento, ir para a faculdade, sair da cidade que cresceu e deixar seu pai para traz, ela tem todos os problemas que uma excluída tem, mas sua conexão com Paul parece abrir um leque de oportunidades que a faz ser vista pelos outros, mesmo que ela ainda esteja lidando com sua sexualidade e com medo de realmente seguir seus anseios. Ellie parece ser uma alegoria perfeita à propria Alice Wu, um imigrante chinesa lésbica passando pela adolescência e tentando encontrar seu local no mundo, superar as barreiras de ser uma imigrante numa cidade pequena pode ser difícil, mas imagina se você ainda é lesbica, como é o caso da cineasta e da protagonista?
Por outro lado, Daniel Diemer vive um Paul completamente fora dos padrões do atleta comum de filmes adolescentes, o longa busca explorar mais profunda a vida do personagem, fugindo desesperadamente do estereotipo ao construir um rapaz atrapalhado, cheio de sonhos, que vem de uma familia cheia de irmãos dona de um tradicional restaurante, mas num estabelecimento onde as receitas de familia são passadas de geração em geração, como ele pode ser capaz de inovar e trazer novas receitas? Paul pode ser um atleta, e o filme insiste em mostrar ele em treinos para provar isso, mas toda a sua personalidade fora dos campos é desenvolvida de uma forma que nunca poderiamos vê-lo como um atleta se não tivessemos essas cenas de treino.
Alexxis Lemire, interprete de Aster Flores, é outra que recebe uma dificil missão na construção de sua personagem. Aster é a garota popular, mas não é uma patricinha, ela ama arte, arrisca algumas pinturas e se vê presa nos seus estereotipos. Ela ainda é a filha do diácono, o que a coloca diretamente conectada a uma vida extremamente cristã, presa a regras que a impedem de ser quem realmente é, e presa a um relacionamento que não a faz feliz. As conversas que ela tem com Ellie (que está se passando por Paul) nos apresentam uma personalidade genuinamente cativante, e a atriz consegue fazer jus à personagem construida pelo enredo, nos apresentando uma Aster confusa, que não sabe muito bem o que quer da vida, que parece frustrada e triste em quase todos os momentos da sua vida, mas que ganham uma outra luz quando falam com Paul, o homem por trás das cartas que a trouxeram um novo horizonte, até a linda cena da construção da pintura numa parede (que Aster e Ellie vão construindo separamente com o decorrer dos dias) se torna sublime quando enxergamos esse outro lado da garota.
Não existe palavras para descrever o quanto Você Nem Imagina é maravilhoso, ele vai além das expectativas e brinca com os clichês. Ele começa te fazendo acreditar que é só mais uma comédia romantica teen, mas Ellie deixa claro nos primeiros minutos que isso não é uma história de amor, e ela está completamente certa, é um filme sobre encontrar o local ao qual você pertence e conhecer mais sobre quem você realmente é, é um filme sobre uma garota nerd que precisa entender o valor da verdadeira amizade, um atleta que tem vários sonhos e não sabe como alcança-los e uma garota popular que precisa aprender a tomar as redeas de sua própria vida, é um filme que vai te fazer rir, chorar, se surpreender, se questionar e, as vezes, até brigar consigo mesmo. Se você está buscando um filme que acenda a fagulha dentro do seu coração para enxergar o amor, assista Você Nem Imagina, mas se você quer um filme que não seja aquela clássica historia de romance juvenil e sim uma história sobre crescer, se entender e ser autosuficiente, Você Nem Imagina é exatamente o filme que você está procurando.
“Dizem que, quando uma metade acha a outra, há um entendimento implícito, uma unidade, e elas não conhecerão alegria maior do que essa.”
Icaro Augusto
Sonhador nato desde pequeno, Designer Gráfico por formação e sempre empenhado em salvar o reino de Hyrule. Produtor de Eventos e CEO da Host Geek, vem lutando ano após ano para trazer a sua terra toda a experiência geek que ela merece.
