Review | Hollywood [Season 1]

Nota
4.5

“Quando eu olhava aquela tela enorme, de repente eu sabia como é que a vida poderia ser, o que significa estar vivo. Era como se alguma coisa, em algum lugar fora de lá, estivesse esperando por mim. É isso que significa se sentir vivo para mim.”

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, as dinâmicas de poder tradicionais da indústria cinematográfica americana estão cada vez mais consolidadas, e é justamente nesse cenário que Jack Castello se muda com sua esposa, Henrietta, para Hollywood, trazendo na mala apenas o sonho de se tornar ator. Encontrando dificuldades e obstáculos, ele acaba se vendo obrigado a trabalhar no Golden Tip Gasoline, um posto de gasolina onde os frentistas ganham um dinheiro extra levando seus clientes para a ‘Terra dos Sonhos’ (um código para serviços sexuais) e que acaba proporcionando o cruzamento dos caminhos de um grupo de aspirantes que lutam para, sistematicamente, derrubar as barreiras, o racismo e a homofobia.

O show, que comça nos apresentando Jack, vai se expandindo ao contar a história de Archie Coleman (Jeremy Pope), um roteirista gay e negro que enfrenta preconceito enquanto tenta emplacar; Raymond Ainsley (Darren Criss), um diretor de cinema meio filipino que espera quebrar fronteiras em Hollywood; Camille Washington (Laura Harrier), uma atriz negra que se cansou dos papeis de empregada e decide lutar pelo papel no filme que Raymond, seu namorado, está dirigindo; Claire Wood (Samara Weaving), a filha de Ace Amberg, dono da Ace Pictures, que luta para se tornar atriz mesmo contra vontade de seus pais e sem querer usar o sobrenome para subir na vida; e Roy Fitzgerald (Jake Picking), um jovem do interior que sonha em ser ator e tem tudo para ser um excelente galã, mas acaba encontrando seu caminho através do sofrido agenciamento de Henry Willson (Jim Parsons), um tirano agente que resolve usar Roy como se brinquedo sexual enquanto cria regras militares para que ele se encaixe no perfil de seus agenciados, o que inclui lhe dar o nome artistico de Rock Hudson, um caminho doloroso que só não é totalmente sofrido pois Roy/Rock acaba se envolvendo com Archie, que começa a lhe fazer enxergar um novo horizonte.

Terceira produção original Netflix desenvolvida por Ian Brennan Ryan Murphy, Hollywood tem uma trama muito bem construída, de forma que até a abertura se torna um acontecimento, ganhando um profundo significado ao mostrar a luta do grupo para escalar na indústria através da metáfora da escalada dos letreiros de Hollywood. Misturando realidade com ficção, a obra traz personagens reais da Hollywood dos anos 40 lado a lado com personagens ficcionais e personagens livremente inspirados em pessoas reais, o que torna tudo muito mais carnal e palpável ao mesmo tempo que rumos fantasiosos vão ganhando espaço em tela. Numa Hollywood cheia de preconceitos e ressalvas, o grupo disfuncional quebra paradigmas e, através de Peg/Meg, começam a conceber um filme que pode levar o estúdio à falência ou revolucionar a história do cinema. Como se não bastasse uma história ousada e perigosa, os showrunners apostam em um elenco de peso, com nomes que se entregam de corpo e alma para tornar a série um show de sonhos com sete episódios de cerca de 45 minutos.

David Corenswet surpreende no papel de Jack, um claro aspirante a ator que tem tudo para ser um galã de sucesso e não encontra as oportunidades certas, o que o leva para adentrar o lado obscuro de Hollywood até cavar uma brecha que o permita crescer na jornada pelo seu sonho. Laura Harrier entrega ousadia e determinação na sua Camille, ela é uma personagem que enxerga seu potencial e se entrega para entregar o melhor em sua atuação, mas vive sendo diminuida e limitada simplesmente por ser uma pessoa de cor, o que a impede de pegar algum papel de verdadeiro destaque. Jeremy Pope é divertido com seu Archie, ele passou tanto tempo levando pancadas da vida que pouco a pouco começa a se acostumar em aproveitar cada minima oportunidade que a vida lhe cede, e é justamente quando seu roteiro é escolhido que ele encontra seu maior desafio, ser quem realmente é ou aproveitar cada minima chance que surge em sua frente. Darren Criss encarna bem o decidido Raymond, ele luta por seus ideais e acredita nos seus sonhos, ele enxerga além das barreiras e acaba contagiando as pessoas ao seu redor a também acreditar, isso se torna essencial para a trama, já que cabe a ele a tarefa de conquistar os executivos para fazer o filme ou para aceitar certas mudanças polêmicas na busca pelo filme perfeito.

Para Jake Picking surge um desafio em dobro, além de interpretar um dura jornada como Roy, seu personagem é inspirado no controverso Rock Hudson, um galã dos anos 1950 e 1960 que viveu lutando para esconder sua homossexualidade, um papel que Jake interpreta com muito mais densidade e o roteiro transforma em uma figura muito mais leve. Outro personagem inspirado numa pessoa real é Henry Willson, magistralmente interpretado por Jim Parsons, que se mostra praticamente um vilão e assume o posto daquele que amamos odiar, ele traz as mesmas questões sexuais do Henry real (Henry ficou conhecido por coagir atores a manterem relações sexuais com ele em troca de papéis) mas com uma camada de podridão ainda maior ao entregar uma arrogancia disfarçada e uma prepotencia discreta.

Patti LuPone entrega uma evolução intensa como Avis Amberg, uma mulher sofrida, que é esposa do dono da Ace Studios e se vê condenada a ser desprezada todo o tempo por seu marido, ela encontra uma escapatória de sua vida triste através dos rapazes do Golden Tip Gasoline, até que uma oportunidade surge a sua frente quando seu marido entra em coma e ela tem a oportunidade de ser a primeira mulher comandando um grande estudio de cinema. Outro grande nome na produção é Holland Taylor que vive a reservada Ellen Kincaid, uma preparadora de elenco extremamente eficiente, capaz de pegar qualquer aspirante e transformar numa grande estrela, treinar um elenco para se encaixar melhor no papel, refinando tons, gestos e olhares, mas que vive uma vida pessoal triste desde que perdeu o marido e sem coragem de buscar um novo amor.

Densa e criativa na medida certa, Hollywood é uma útopia mágica concebida por Brennan e Murphy, brincando com as possibilidades e nos fazendo refletir, “e se” tudo tivesse sido diferente na Golden Era de 1940? E se uma mulher negra tivesse sido protagonista de um filme de grande distribuição? E se uma mulher pudesse ser executiva de um grande estudio? E se um homem negro e gay pudesse ser o principal roteirista de um filme de destaque? E se um galã fosse gay assumido? E se existe representatividade real nos filmes? A produção sugere mudanças na Hollywood de 1940 e nos faz pensar, se Meg realmente tivesse existido, como estaríamos hoje? Será que isso mudaria a realidade de termos apenas uma mulher negra (Halle Berry em 2002) como vencedora do Oscar de Melhor Atriz até os dias de hoje? Mesmo que a trama não seja real, ela é linda, é surpreendente como o enredo é capaz de dar um desfecho decente para cada um dos personagens que ele se propõe a expor, dando a cada um deles a evolução e conclusão merecida.

Além disso, a série encanta pelo visual realista do show, algo alcançado graças à detalhada estética da Direção de Arte de Matthew Ferguson, que já trabalhou com Murphy em outras produções, e das figurinistas Sarah Evelyn e Lou Eyrich, que encararam o desafio de criar do zero quase todo o figurino do show (visto que na época muitos filmes de época estavam em produção e os estoques das lojas de roupa vintage estavam defasados). Infelizmente não é só de perfeição que vive Hollywood, na empolgação de criar uma trama tão útopica, o show acabou sendo artificial demais em certos pontos, com o cenário preconceituoso e intolerante da cidade mudando com muita facilidade em certos momentos, o que tira um pouco da realidade que fortalece a útopia e pode frustrar um pouco.

“Os filmes nos mostram o mundo como ele é, e como o mundo poderia ser, se mudarmos a maneira como os filmes são feitos, se nos arriscarmos e fizermos uma história diferente, eu acho que é possível mudar o mundo.”

 

Sonhador nato desde pequeno, Designer Gráfico por formação e sempre empenhado em salvar o reino de Hyrule. Produtor de Eventos e CEO da Host Geek, vem lutando ano após ano para trazer a sua terra toda a experiência geek que ela merece.

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