Nota
MaXXXine é a terceira parte da trilogia de terror de Ti West, que começou com o aclamado X e continuou com o prequel Pearl. A sequência avança para 1985 e segue a personagem Maxine Minx, interpretada pela nova Rainha dos Gritos, e neta da atriz brasileira Maria Gladys, Mia Goth, enquanto ela navega pela indústria cinematográfica de Los Angeles dos anos 80, ainda perseguida pelos horrores de seu passado. Ao contrário de seus predecessores, MaXXXine mergulha em uma Los Angeles sombria e decadente, repleta de perigos à espreita a cada esquina, capturando a essência da época com uma autenticidade gritante.
Ti West é conhecido por seu domínio do gênero de terror, mas MaXXXine não se limita a ser apenas um filme de terror tradicional. A narrativa é uma teia intricada de ambição e sobrevivência. Maxine, agora uma estrela da indústria pornográfica, almeja uma carreira no cinema convencional. Sua luta para romper essa barreira é entrelaçada com a ameaça de um assassino em série que assombra as ruas de Los Angeles e que aparenta ter um interesse genuíno na jovem atriz. A presença ameaçadora do detetive particular John Labat (Kevin Bacon), adiciona uma camada extra de tensão à trama, tornando cada movimento de Maxine uma questão de vida ou morte.
O filme é uma homenagem visual e temática ao cinema de terror dos anos 80, especialmente ao subgênero giallo italiano, que é conhecido por seus assassinos mascarados e estéticas estilizadas. West utiliza elementos clássicos desse subgênero, como o assassino de luvas pretas e a trilha sonora inquietante, para criar uma atmosfera de suspense constante. A direção de arte e o design de produção são impecáveis, recriando a sujeira e o glamour decadente de Hollywood daquela época. As ruas cheias de néon, as videolocadoras e os becos sombrios formam o cenário perfeito para o desenrolar da história de Maxine.
Mia Goth entrega a sua melhor performance da trilogia, capturando a complexidade de uma mulher determinada a alcançar a fama a qualquer custo. Sua interpretação de Maxine é multifacetada, oscilando entre vulnerabilidade e uma feroz determinação. A personagem é uma sobrevivente endurecida, marcada pelas tragédias de seu passado, mas também alguém que está disposta a fazer o que for necessário para triunfar. A atuação de Goth é acompanhada por um elenco de apoio talentoso, incluindo Elizabeth Debicki (Tenet) como a exigente diretora Elizabeth Bender, e Giancarlo Esposito (Abigail) como o excêntrico agente de Maxine. Cada personagem contribui para a rica tapeçaria da narrativa, adicionando profundidade e nuances à história.
Um dos pontos fortes de MaXXXine é como West aborda a temática da moralidade e da hipocrisia na sociedade. O filme não apenas explora os aspectos sombrios da indústria do entretenimento adulto, mas também critica a cultura puritana e o furor religioso dos anos 80, que condenava publicamente a pornografia enquanto consumia avidamente seus produtos. A figura do assassino em série, com suas marcas de pentagrama, serve como uma metáfora para a repressão e os julgamentos morais da época. Essa crítica social é sutilmente tecida na narrativa, adicionando uma camada de profundidade ao filme.
Além da narrativa envolvente e das performances excepcionais, destaca-se a direção estilística. West utiliza técnicas de filmagem que evocam o cinema dos anos 80, incluindo ângulos de câmera dramáticos, cortes rápidos e uma paleta de cores vibrante. A cinematografia de Eliot Rockett é uma aula de estilo, capturando tanto a beleza quanto a decadência de Los Angeles. A trilha sonora complementa perfeitamente o visual do filme, com músicas que evocam a era e intensificam a tensão.
No entanto, o longa não é apenas uma viagem nostálgica. West consegue equilibrar homenagem e inovação, criando um filme que é ao mesmo tempo familiar e surpreendente. As cenas de violência são brutais e bem coreografadas, mantendo o público na ponta da cadeira. As reviravoltas na trama são inesperadas e bem executadas, garantindo que o filme nunca perca seu ritmo. Mesmo os momentos de calmaria estão carregados de uma tensão subjacente, fazendo com que cada cena seja carregada de significado.
Apesar de todas as suas qualidades não é um filme perfeito. Alguns espectadores podem achar que o ritmo lento em certas partes prejudica a tensão acumulada, enquanto outros podem sentir que algumas subtramas não são desenvolvidas com a profundidade necessária. No entanto, essas falhas são pequenas em comparação com o impacto geral do filme. MaXXXine é uma adição digna à trilogia de West, consolidando ainda mais sua reputação como um dos mestres contemporâneos do terror.
A mensagem subjacente de MaXXXine é clara: a busca pela fama pode ser uma jornada perigosa e autodestrutiva. Maxine é uma personagem complexa, cuja ambição é tanto sua força quanto sua fraqueza. O filme explora os sacrifícios que ela está disposta a fazer para alcançar seus sonhos, ao mesmo tempo em que critica uma sociedade que glamoriza e condena a fama em igual medida. Essa dualidade é o que torna um filme tão envolvente e reflexivo.
Em conclusão, MaXXXine é uma obra-prima de horror estilizado que não tem medo de explorar os lados mais sombrios da ambição e da fama. Com performances incríveis, uma direção habilidosa e uma narrativa rica em nuances, Ti West entrega um filme que é tanto uma homenagem ao cinema dos anos 80 quanto uma crítica incisiva da sociedade. MaXXXine é uma experiência cinematográfica imperdível para os fãs de terror e para qualquer pessoa que aprecie uma boa história bem contada. É um testemunho do talento de West, do fechamento da trilogia X e do poder do cinema de horror para refletir sobre questões profundas e perturbadoras da condição humana.
Victor Freitas
Pernambucano, jogador de RPG, pesquisador nas áreas de gênero, diversidade e bioética, comentarista no X, fã incontestável de Junji Ito e Naoki Urasawa. Ah, também sou advogado e me arrisco como crítico nas horas vagas.