Nota
Imagine uma pequena cidade, envolta em uma névoa perene e quase esquecida pelo mundo. Em suas ruas desertas e janelas entreabertas, parece repousar um segredo antigo e sombrio, uma verdade que ninguém ousa encarar de frente. Estranhos eventos começam a assolar os moradores, mergulhando o lugar em um silêncio que aos poucos se torna aterrador. O visitante recém-chegado sente o peso dessa atmosfera pesada, cada canto parece sussurrar algo do qual ele deveria se afastar – mas é tarde demais. À medida que as noites se tornam mais longas e o medo se infiltra como uma sombra persistente, percebe-se que há algo mais profundo e obscuro envolvendo cada um dos habitantes desse lugar.
Os Vampiros de Salem (1979), adaptação em minissérie do romance icônico de Stephen King, é uma obra que se destaca ao trazer uma visão aterrorizante e atmosférica do mal que assola uma pequena cidade da Nova Inglaterra. Dirigida por Tobe Hooper, conhecido por seu trabalho em O Massacre da Serra Elétrica, a série consegue captar a essência do horror que permeia o livro, embora faça algumas concessões em relação ao conteúdo mais sombrio e explícito da obra de King. Com um roteiro que se preocupa em desenvolver o suspense ao invés de depender de sustos fáceis, Os Vampiros de Salem constrói seu terror em cima da atmosfera sombria e de uma tensão crescente, que persiste em cada esquina da pacata cidade de Jerusalem’s Lot.
A minissérie segue a história de Ben Mears (David Soul), um escritor que retorna a a sua cidade natal em busca de inspiração e para enfrentar os traumas de sua infância. No entanto, ele logo descobre que algo sinistro se apoderou da cidade e que forças malignas agem nas sombras, sendo representadas pelo misterioso Sr. Barlow, o vampiro que é a personificação do medo. Diferente de outras produções do gênero, Hooper investe na lentidão da trama para desenvolver um horror psicológico intenso, no qual os próprios habitantes da cidade se tornam instrumentos do mal, guiados pelo magnetismo irresistível do vampiro.
O trabalho de direção de Hooper é notável, pois ele manipula a câmera e o silêncio de maneira hábil para sugerir uma ameaça constante. Em muitos momentos, a atmosfera é pesada e opressiva, e o uso do cenário – casas abandonadas, ruas desertas e o clima sempre sombrio – reforça a sensação de que Salem’s Lot é um lugar amaldiçoado. A influência dos filmes clássicos de terror é evidente, especialmente nas cenas que focam em detalhes visuais como a maquiagem do Sr. Barlow e o uso de iluminação que remete a um horror quase gótico.
David Soul, no papel de Ben Mears, oferece uma atuação sólida, transmitindo a vulnerabilidade e a determinação de um homem disposto a confrontar as forças do mal. James Mason, que interpreta Richard Straker, o ajudante humano de Barlow, rouba a cena com uma atuação sutil, mas assustadora, equilibrando uma presença polida com uma ameaça velada. O verdadeiro destaque, porém, é o próprio vampiro Barlow, que aparece em poucas cenas, mas sempre de forma impactante, com um visual que evoca o Conde Orlok de Nosferatu (1922) e provoca uma repulsa genuína.
É inegável que os efeitos especiais são datados, e algumas das cenas mais “grotescas” podem hoje parecer ingênuas ou exageradas. No entanto, o que falta em modernidade técnica, a série compensa com um comprometimento artístico notável para uma produção televisiva. Hooper e sua equipe entenderam que a essência do horror estava na sugestão e na construção de um universo onde o mal parece inevitável. Cada transformação em vampiro e cada cena em que um dos habitantes da cidade é subjugado pela criatura carrega uma dualidade de horror e tristeza, o que torna a história ainda mais complexa.
Outro ponto interessante da série é como ela explora o isolamento e a vulnerabilidade da pequena e quase esquecida cidade. Esse isolamento contribui para a ideia de que o mal poderia prosperar ali sem grandes interferências, permitindo que a trama avance com uma lógica interna que faz sentido. Ao contrário de muitos filmes de terror que colocam personagens urbanos em cenários desconhecidos, a série transforma o conhecido em algo assustador, ressaltando a sensação de que qualquer lugar pode se tornar um antro do mal.
A minissérie também toca em temas importantes para o horror, como a perda da inocência e a degradação moral de uma comunidade. Esses temas, embora sutis, estão sempre presentes nas interações dos moradores, que aos poucos se tornam vítimas ou cúmplices das forças malignas que ali habitam. Salem’s Lot torna-se, assim, uma alegoria para o declínio da humanidade frente à tentação e ao medo.
Apesar de algumas limitações técnicas e da narrativa um tanto arrastada, Os Vampiros de Salem continua sendo uma das adaptações mais respeitadas de Stephen King, capaz de provocar um terror inquietante e duradouro. Não é apenas uma história sobre vampiros, mas uma exploração das sombras que vivem dentro de cada um e das escolhas que podem levar até as almas mais inocentes a abraçar a escuridão.
Victor Freitas
Pernambucano, jogador de RPG, pesquisador nas áreas de gênero, diversidade e bioética, comentarista no X, fã incontestável de Junji Ito e Naoki Urasawa. Ah, também sou advogado e me arrisco como crítico nas horas vagas.