Crítica | Maníaco do Parque

Nota
4

“Em São Paulo, são seis mulheres mortas por dia. Você quer que eu faça DNA em todas elas?”

Francisco de Assis era um bem sucedido motoboy e um talentoso patinador, mas ele também escondia um segredo obscuro. Se passando por um olheiro, ele abordava mulheres com a promessa de participação em ações de propaganda de uma grande empresa de cosméticos, convencendo-as a subir na garupa de sua moto e ir para o meio de um matagal no Parque do Estado, lugar onde ele assassinava cada uma de suas vítimas. Perto dali, Elena, uma jovem repórter, luta contra o machismo dentro da redação onde trabalha, tentando dar voz às tantas mulheres que morriam em São Paulo, num periodo onde se estimava que seis mulheres morriam por dia por motivos diversos, mas não consegue ter sua voz ouvida dentro de uma redação comandada por homens. Mas tudo mudou para os dois na manhã de 4 de julho de 1998, quando Elena acaba roubando um recado de um colega jornalista e descobrindo as primeiras vítimas do criminoso que assassina mulheres no Parque do Estado, batizando Francisco oficialmente como Maníaco do Parque e pulverizando o terror entre as jovens mulheres de São Paulo.

A história do Maníaco do Parque é densa, cheia de detalhes que merecem atenção e de histórias de fundo que ajudam a construir seu perfil como um dos famosos serial killers brasileiros, mas é desafiante conseguir fazer dessa história um filme que não exalte o criminoso, como é muito comum e polêmico no genero True Crime na atualidade. Esse desafio acabou sendo aceito por L.G. Bayão, famoso por ser a mente por trás dos roteiros de algumas das maiores produções brasileiras dos últimos anos, e Mauricio Eça, que já carrega centenas de comerciais e video clipes no seu currículo e recentemente foi o responsavel por dirigir a trilogia A Menina que Matou os Pais, um dupla de peso que prometia entregar um filme de respeito, mas que surpreende ao superar as expectativas com um discurso inesperado. O grande mote da produção é Elena, vivida por Giovanna Grigio, uma personagem criada exclusivamente para o longa e que serve como guia do enredo, controlando com pulso forte a forma como a história é contada e garantindo o tempo que vai ser o foco da história, não deixando espaço para que o assassino possa engrandecer em tela.

Elena traz um discurso poderoso contra o feminicidio, batendo de frente com o machismo que existe em sua redação e desafiando a notoriedade que o Maníaco vai ganhando na mídia sensacionalista, dando enfase que essa é uma história sobre mulheres vítimas de um assassino e não de um criminoso intocavel e sorrateiro. Isso se torna um pouco perigoso quando se trata de uma produção baseada em fatos reais, visto que a ficção começa a se engrandecer perante a realidade e tomar seu espaço, confundindo ainda mais o espectador sobre o que realmente aconteceu e o que foi apenas um acessório roteiristico para fortalecer o rumo da trama. Interpretado por Silvero Pereira, Francisco de Assis nunca é tratado como alguém fora do comum, ele é muito bem construido, ele tem seu devido tempo de tela, mas é possivel notar a presença de uma rédea do roteiro, da direção e do próprio ator para não expandir demais o personagem, para não deixar ele tomar o protagonismo de Grigio. A personagem de Mel Lisboa é outra boa adição a trama, a irmã de Elena é uma bem sucedida psicologa e está tentando ajudar a reporter a lidar com a raiva após a morte do pai, trabalhando o rancor que a filha guarda do pai ausente ao mesmo tempo que segue seus passos como jornalista, mas a escolha da profissão da personagem parece feita a dedo, afinal é através dela que temos um debate sobre a psicopatia de um serial killer, sobre o funcionamento da mente do Maníaco e sobre seu Modus Operandi, é ela quem traz uma didática necessária para ajudar Elena na sua missão de descobrir quem é o Maníaco do Parque.

Esse controle de Eça sobre a história garante que os dois lados sejam vistos de forma responsável, através de Elena vemos uma narrativa mais intimista, acolhedora e decidida, da busca pela solução e da dor da empatia com as outras mulheres, já quando o foco muda para Francisco, ficamos com uma trama mais predátoria, distante e temerosa, da tensão em testemunhar as ações do Maníaco e da tristeza ao enxergar cada possivel alvo se aproximando de virar uma vítima. Intenso e envolvente, Maníaco do Parque vai além do assassino, trazendo uma abordagem única que pode desagradar algumas pessoas, Eça e Bayão escolhem fugir do óbvio ao colocar o serial killer num pedestal e coloca a trama pelo ponto de vista das vítimas (e das possíveis vítimas), colocando em pauta um debate sobre feminicidio em uma época que não se enxergava dessa forma. Começando com um ritmo narrativo contemplativo, infelizmente o longa cede aos clichês do cinema em determinado ponto, quando aumenta a intensidade e a velocidade e perde o teor empatico, como se quisesse correr para contar toda a história que propõe, mas nada que prejudique completamente a produção. Talvez o maior problema, ou melhor escolha, seja o de usar menos da realidade do que se espera, fazendo com que o público, que pode vir com a expectativa de assistir uma narrativa realista sobre o Maníaco, encontre uma trama reflexitiva sobre o impacto que ele teve na sociedade paulistana e no perigo que ele oferece quando, em meados de 2028, terá cumprido sua pena e poderá voltar as ruas.

 

Sonhador nato desde pequeno, Designer Gráfico por formação e sempre empenhado em salvar o reino de Hyrule. Produtor de Eventos e CEO da Host Geek, vem lutando ano após ano para trazer a sua terra toda a experiência geek que ela merece.

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