Nota
Há filmes que testam os limites do horror, e então há Terrifier 3. Neste terceiro capítulo, o diretor Damien Leone desafia o espectador a um mergulho no grotesco e no explícito, onde o horror toma uma forma quase hipnótica através de Art, o Palhaço. Desprovido de falas ou qualquer traço de empatia, o vilão não apenas provoca repulsa, mas exerce uma presença perturbadora, que se impõe na tela com uma violência meticulosa. Art não é um personagem que busca redenção, nem possui uma motivação clara além do desejo de espalhar o caos, e isso o torna ainda mais ameaçador, um verdadeiro retrato do horror em sua forma mais pura e cruel.
O filme começa onde o último deixou, mantendo a mesma atmosfera densa e sombria, mas elevando a violência a um nível quase insuportável. Leone claramente opta por uma abordagem que desafia o público a suportar cenas de um sadismo quase ritualístico, que vai além do mero susto ou da simples tensão. É uma escolha ousada, especialmente em um gênero onde muitos filmes contemporâneos se mantêm no conforto do horror psicológico e atmosférico, evitando os detalhes explícitos que, aqui, são tratados como protagonistas. O diretor parece ter uma preferência por efeitos práticos, e essa escolha se destaca, trazendo uma textura realista às cenas que evocam o estilo de filmes clássicos de terror dos anos 80.
No entanto, Terrifier 3 não é apenas uma celebração do grotesco, é também uma crítica implícita ao próprio público, que busca constantemente limites mais extremos de entretenimento. Art, o Palhaço, com sua completa indiferença ao sofrimento, parece quase uma resposta a essa demanda – um símbolo de até onde o terror pode ir para provocar uma reação. Esse aspecto é reforçado pelas longas cenas de perseguição e tortura que, ao mesmo tempo que chocam, criam uma espécie de fascínio mórbido no espectador, testando não apenas os limites de cada um, mas também o limite da própria franquia.
A narrativa, porém, acaba sendo prejudicada por uma estrutura repetitiva que não deixa muito espaço para desenvolvimento. Os personagens coadjuvantes, que poderiam trazer alguma profundidade ao filme, são amplamente subutilizados, servindo apenas como vítimas de Art sem maior propósito ou conexão emocional com o público. É uma oportunidade perdida, especialmente quando se considera que um dos pontos fortes de um filme de terror é a criação de figuras identificáveis que possam conduzir o espectador através do caos. Esse enfoque em sacrificar personagens para o sadismo de Art reduz a empatia do público e acaba gerando uma experiência fragmentada, onde o impacto de cada cena é forte, mas o filme como um todo perde em coesão.
Há, contudo, uma habilidade inegável em como Leone manipula a atmosfera. O design de som e a cinematografia contribuem para uma experiência sensorialmente desconfortável, com ruídos ambientes e uma trilha sonora minimalista que intensificam a solidão e a vulnerabilidade dos personagens. Os cenários, quase sempre abandonados ou em ruínas, ajudam a reforçar esse isolamento, como se o mundo ao redor de Art fosse um reflexo do vazio e da violência que ele traz consigo. Visualmente, Terrifier 3 é impecável em sua estética doentia, mas essa excelência visual não evita que o filme se perca em seu próprio labirinto de sangue e sofrimento.
Ainda que Terrifier 3 apresente alguns tropeços em sua narrativa, ele sabe exatamente o que quer entregar ao seu público. A série abraça seu próprio absurdo e gore sem desculpas, e isso pode ser visto como uma de suas maiores virtudes. Em um cenário onde muitos filmes de terror tentam equilibrar sustos com tramas complexas e mensagens profundas, Terrifier 3 se coloca como uma ode ao horror explícito e brutal. Sem pretensões de ser um thriller psicológico ou de fornecer explicações lógicas, ele se permite ser uma experiência de pura adrenalina e nojeira, para aqueles que buscam esse tipo de filme.
Ao final, porém, fica a sensação de que o clímax poderia ter sido melhor explorado. Depois de construir um crescendo de violência e tensão, o desfecho acaba por ser um tanto apressado, como se o filme estivesse ansioso para encerrar a experiência que ele mesmo propôs. Esse final, que não faz jus à brutalidade que o precede, deixa um certo gosto amargo, como se algo importante tivesse sido deixado de lado. Mesmo para os fãs que acompanham a franquia desde o início, a conclusão parece aquém das expectativas, e talvez a série se beneficiasse de uma abordagem mais coesa em seu encerramento.
Para os aficionados pelo terror extremo, Terrifier 3 é uma experiência inigualável, um filme que não teme ser grotesco de forma gratuita e que desafia o espectador a encarar o horror em seu estado mais primitivo. Mas para os que buscam uma trama mais densa ou personagens profundos, este pode ser um teste de resistência. Afinal, em meio a tanto sangue e caos, nem todos estarão dispostos a embarcar no que Terrifier 3 tem a oferecer.
Victor Freitas
Pernambucano, jogador de RPG, pesquisador nas áreas de gênero, diversidade e bioética, comentarista no X, fã incontestável de Junji Ito e Naoki Urasawa. Ah, também sou advogado e me arrisco como crítico nas horas vagas.