Crítica | Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância) (Birdman or (The Unexpected Virtue of Ignorance))

Nota
5

Nos bastidores do teatro, onde o brilho das luzes contrasta com a insegurança e o desejo de redenção, um artista luta para dar sentido a uma carreira que oscila entre o glamour e a decadência. Ele deseja escapar das sombras de um passado que, embora cheio de sucesso, agora o persegue como um fantasma persistente. É nesse ambiente de tensão psicológica e conflitos emocionais que a história se desenrola, explorando a tênue linha entre o ego e a arte, a vaidade e a vulnerabilidade humana.

Em Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância), acompanhamos Riggan Thomson (Michael Keaton), um ator em declínio, marcado para sempre pelo papel de um super-herói dos anos 90. Riggan, determinado a provar seu valor artístico, investe tudo o que tem para dirigir e protagonizar uma peça na Broadway, esperando recuperar a relevância que o estrelato superficial lhe roubou. No entanto, à medida que o dia da estreia se aproxima, ele enfrenta não só os desafios de um elenco excêntrico e suas inseguranças, mas também o peso de uma voz interna – a do personagem que o transformou em ícone e que agora parece questionar sua própria sanidade.

A direção de Alejandro González Iñárritu (O Regresso) é uma das forças motrizes de Birdman, conduzindo o espectador por um universo onde realidade e fantasia se confundem. O filme, filmado para parecer um único plano-sequência contínuo, cria uma imersão intensa que obriga o público a experimentar as angústias e paranoias de Riggan. A câmera do diretor de fotografia, Emmanuel Lubezki, explora com maestria cada corredor do teatro, transformando o cenário em uma representação labiríntica da mente do protagonista. Esse estilo de filmagem se torna mais do que um truque técnico, servindo como uma metáfora visual para o fluxo ininterrupto dos pensamentos de Riggan, onde cada cena parece emergir diretamente da sua mente conturbada.

As atuações em Birdman elevam a trama a outro nível, com um elenco coeso que torna cada cena memorável. Michael Keaton (Os Fantasmas Ainda se Divertem) entrega uma performance crua e autêntica, mergulhando na vulnerabilidade de Riggan e equilibrando com maestria sua sede de redenção com o medo de irrelevância. Edward Norton (Glass Onion: Um Mistério Knives Out), como o metódico e imprevisível Mike Shiner, complementa a luta interna de Riggan com uma intensidade que desafia e desconstrói o ego do protagonista em cena. Emma Stone (Pobres Criaturas), por sua vez, traz sensibilidade à história, interpretando Sam, a filha rebelde de Riggan, cujas desilusões com o pai oferecem um contraste palpável com o mundo idealizado do teatro. A relação entre os três personagens constrói um quadro multifacetado da busca por propósito, cada um a seu modo tentando dar sentido às suas existências.

O roteiro, com sua mistura de humor ácido e crítica mordaz, tece uma narrativa que expõe as armadilhas da fama e a natureza fugaz do sucesso. Cada diálogo é carregado de ironia, refletindo uma sociedade que idolatra figuras públicas apenas para descartá-las na próxima tendência. Iñárritu propõe, através de Riggan, uma reflexão sobre o custo da busca por relevância e sobre como a indústria cultural trata os artistas como commodities. Ele coloca o público diante de um espelho onde nos vemos refletidos, questionando o que realmente valorizamos e as consequências de um mundo que sacrifica autenticidade em nome da popularidade.

A trilha sonora, composta por Antonio Sánchez, quase inteiramente baseada em uma bateria solitária, intensifica a sensação de angústia e urgência. Cada batida ressoa como o pulso frenético da própria existência de Riggan, ecoando o caos e a pressa de um mundo que parece estar sempre à beira de um colapso. A música torna-se um elemento narrativo que conduz o espectador pela montanha-russa emocional do protagonista, reforçando as tensões que percorrem o filme.

Para além dos aspectos técnicos, Birdman mergulha em temas profundos que ressoam em todos aqueles que já experimentaram dúvidas sobre seu propósito. A crise de identidade de Riggan, sua luta entre a persona pública e sua essência, é um reflexo de uma luta universal pela autenticidade. O filme destaca o peso da necessidade humana de ser reconhecido e amado, e como essa busca pode se tornar autodestrutiva quando confundida com a necessidade de validação externa. Em cada escolha e em cada monólogo, o filme constrói uma poderosa metáfora sobre a batalha entre ego e essência, um conflito que transcende o mundo das artes e encontra ressonância em qualquer indivíduo.

A arte de Iñárritu, com sua câmera ousada e um roteiro que não recua diante das fragilidades humanas, oferece uma experiência catártica e desconcertante. Ao evitar respostas fáceis e finais reconfortantes, Birdman desafia o espectador a encontrar sua própria interpretação das inseguranças e ambições de Riggan. No final, ao mostrar a trajetória de um homem que tenta redescobrir seu valor, o filme questiona o verdadeiro propósito da arte e o que realmente significa ser lembrado. Birdman, enfim, é um convite para olharmos para nós mesmos, com todas as nossas imperfeições, e encontrarmos alguma forma de paz em nossa própria vulnerabilidade.

 

Pernambucano, jogador de RPG, pesquisador nas áreas de gênero, diversidade e bioética, comentarista no X, fã incontestável de Junji Ito e Naoki Urasawa. Ah, também sou advogado e me arrisco como crítico nas horas vagas.

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