Crítica | Ainda Estou Aqui

Nota
5

A família Paiva segue animada após a formatura da sua filha mais velha, Vera (Valentina Herszage), e com a sua primeira viagem internacional sozinha, junto com amigos da família. Mas os seus pais, Rubens (Selton Mello) e Eunice Paiva (Fernanda Torres), seguem preocupados com o futuro da filha rebelde que pretende cursar Sociologia quando voltar de viagem, já que em 1970, no auge da ditadura militar brasileira, essa é no mínimo uma carreira arriscadíssima, mas ainda sim, a vida dos Paiva segue tranquila com seus 4 outros filhos, um novo cachorrinho e as divertidas festas que ocorrem sempre na casa da família. Em certo dia, a vida da família iria mudar completamente quando alguns homens misteriosos levam Rubens para depor, mas sem avisar quando retornariam ou até mesmo para onde iriam. Eunice, só pensa em proteger suas 4 crianças sem contá-los o que está acontecendo, enquanto ela mesma não entende bem o que está acontecendo, já que seu marido, apesar de ex-deputado, não havia se envolvido com política há mais de 6 anos. E mesmo sem respostas, Eunice não irá desistir de buscar o que realmente aconteceu com o seu marido. Baseado no livro de Marcelo Rubens Paiva de mesmo nome, Ainda Estou Aqui foi destaque no Festival de Veneza e está sendo a aposta brasileira para o Oscar 2025. 

Walter Salles chegou até a grande premiação da Academia em 1999, com o filme Central do Brasil, onde disputou as categorias de Melhor Filme Internacional e Melhor Atriz com o ícone nacional Fernanda Montenegro. Agora em 2024, após quase 10 anos longe das telonas, o diretor volta a ter destaque com uma campanha pesadíssima para o Oscar do ano que vem, só que agora com um drama histórico que retrata muito bem o período da ditadura militar brasileira sob a ótica feminina da família de um preso político. Toda equipe tem um ótimo trabalho em retratar o Rio de Janeiro da época dos anos 70, desde os figurinos que são muito bem característicos da época, até a cenografia que é repleta de detalhes como discos que é um tema recorrente durante o filme, como na decoração das casas e em outros ambientes, mas principalmente com os carros de época que definitivamente transportam o público para os anos 70. Além disso a filmografia já é bem atenta a retratar a época como se estivéssemos acompanhando fotos de família, tendo a passagem de tempo bem representada pelas cores das cenas, representando os anos 70 com tons de sépia, mas sem deixar o colorido dos ambiente, assim como em fotos da época, enquanto os anos 90 e 2000 se apresentam com uma paleta de cores mais atual, se distanciando bem da época principal do filme.

Ainda Estou Aqui é um filme denso, que trata sobre um tema delicadíssimo que é a ditadura militar no Brasil, e por isso que o grande destaque do filme está também nas performances dos atores. Selton Mello, que é um ator extremamente versátil que vai da comédia ao drama, tem o papel mais difícil do filme, já que, como o personagem do Rubens desaparece, ele precisa em um curto período de tempo criar a simpatia do público para que o seu desaparecimento seja sentido a todo momento, e Selton consegue isso brilhantemente. Selton consegue transmitir muito bem, não só como o Rubens Paiva era um ótimo pai, presente e atencioso, mas também de como ele conseguia trabalhar contra a ditadura por trás da sua família sem que eles soubessem, e tudo isso arrematado pela atuação que traz todas essas nuances sem parecer uma caricatura de um pai que esconde segredos da sua família, transparecendo suas reais intenções de se importar e amar tanto sua família que esconder isso deles é apenas sua forma de protegê-los. Apesar das cenas com Selton Mello e Fernanda Torres serem o que representam bem a união da família Paiva, existem dois momentos no filme onde o Selton, durante o início, está mais presente e comanda o filme com sua atuação, até que ele sai de cena para deixar a verdadeira estrela desse filme brilhar, Fernanda Torres.

Apesar da história ser voltada para o Rubens Paiva, quem brilha em Ainda Estou Aqui sem dúvidas é Fernanda Torres como Eunice, que traz uma performance totalmente brasileira, se distanciando bastante de filmes estrangeiros com performances expansivas para transmitir ao máximo o que os personagens querem dizer. O filme é do começo ao fim muito sensível ao tocar no assunto ditadura, e isso se reflete muito na personagem da Eunice, que está o tempo todo tensa, onde sua personagem é carregada de nuances, mas conseguindo ser bastante assertiva por sempre transportar o espectador para sua ótica de não poder demonstrar esse seu momento de fraqueza na frente de seus filhos, até como uma forma de protegê-los e tendo apenas o espectador para validar o que ela sente. É de fato um trabalho excelente entre atriz e direção, onde o diretor traz toda a pressão que ela sente por reprimir-se, mas sem deixá-la em momento algum ruir e ao mesmo tempo um trabalho excepcional da Fernanda por transmitir muito bem a repressão e o estresse que ela sente nas entrelinhas, visto que seria muito mais fácil representar esse papel com cenas explosivas com gritos, choros, mas não.

Ainda Estou Aqui é o cinema brasileiro em seu ápice, sendo a aposta do Brasil para o Oscar 2025 com um trabalho impecável entre direção e performances dos atores. O sucesso de Ainda Estou Aqui se dá em primeiro lugar ao diretor Walter Salles, que adaptou muito bem o livro de Marcelo Rubens Paiva, que é filho do Rubens Paiva, e com a maior sensibilidade em tratar da história da família Paiva, sobretudo da memória da Eunice Paiva, vivida brilhantemente pela Fernanda Torres, e conseguindo demonstrar sobretudo a força dessa mulher em enfrentar a ditadura militar sem notícias do seu marido e criando 5 filhos. O filme do começo ao fim se importa bastante com sua estética como uma forma de transportar-nos para o Rio de Janeiro dos anos 70, mas também para haver essa quebra da vida da família com e sem o pai. Walter Salles também ganha muitos pontos pela direção do núcleo infantil, que passa por todo esse período traumático muito aos poucos devido a preocupação de Eunice, mas que ao mesmo tempo também conseguem passar o terror do medo de não saber o que está acontecendo, atrelado a ingenuidade infantil que requer aos personagens. Ainda Estou Aqui estreou dia 7 de novembro em todos os cinemas brasileiros e já se tornou a 2ª maior bilheteria do Brasil em uma estreia de filme nacional, provando que com ou sem Oscar, o filme já venceu com o público brasileiro.

 

Ilustradora, Designer de Moda, Criadora de conteúdo e Drag Queen.

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