Crítica | O Banquete

Nota
3

No final da década de 1980, um casal decide preparar um luxuoso jantar em comemoração aos dez anos de casamento de dois colegas, convidando também alguns amigos de longa data para um reencontro.

O Banquete segue a mesma tradição de escala que o recente e também brasileiro O Animal Cordial: um número limitado de personagens contidos em um ambiente fechado do qual praticamente não se vê o exterior e onde cidadãos “civilizados” são levados a mostrar – a partir de sua interação – tudo de ruim que realmente são. Mas apesar dessas semelhanças, O Banquete está mais próximo daquela estrutura teatral puramente movida por diálogos e mais diálogos, como é o caso de Deus da Carnificina, de Polanski.

A temática não poderia ser mais apropriada: “O Banquete” é o nome de um diálogo platônico que discute a essência do eros (amor), e é exatamente esse tipo de discurso que o roteiro do filme propõe, adicionando o contexto político e social (no caso, o governo Collor e o controle sobre a imprensa). A narrativa foca em conversas banais, discussões filosóficas e piadas internas que vão sendo absorvidas pelo público conforme informações sobre os personagens são fornecidas. A princípio, é importante que o espectador se mantenha no escuro, pois a chegada de cada novo integrante do elenco provoca um senso genuíno de intriga e curiosidade.

A diversão de acompanhar esses diálogos se dá sobretudo ao ótimo elenco: Drica Moraes interpreta fervorosamente a anfitriã Nora (simultaneamente controladora e descontrolada, se possível), e Caco Ciocler cumpre muito bem o papel exagerado do marido bêbado.

Fabiana Gugli, no papel da insegura e atormentada Maria, diz muito mais com suas expressões do que com suas falas ainda mais artificiais do que as dos demais, e Gustavo Machado, como um colunista famoso, fica com algumas das melhores tiradas. Mariana Lima está excelente na pele de uma atriz de teatro expansiva e intelectual. Já o garçom vivido por Chay Suede desperta frequentemente uma sensação de presságio no olhar que nunca é realmente aproveitada pelo roteiro.

Com o desenrolar do que se pode chamar de trama, no entanto, as decisões visuais de O Banquete ficam mais difíceis de decifrar: se por um lado Daniela Thomas aposta no teatral (o que faz todo o sentido, considerando a limitação do cenário), por outro, abraça o naturalismo e conduz sua história com diálogos soltos em planos fechados e sempre optando por baixa profundidade de campo, o que favorece as interpretações e fortalece os olhares, mas se torna repetitivo ao longo da projeção.

É bem verdade que o enorme espelho atrás da mesa (carregado em simbologia) dificulta os planos mais abertos que às vezes o filme pede, mas, pelo menos em termos narrativos, nada impediria que O Banquete seguisse o exemplo até mesmo do suspense pouco falado e muito bom O Convite e trabalhassse a gradação dos embates para criar resoluções mais concretas – acaba que ele gera na plateia uma expectativa cuja catarse somente algumas boas piadas sexuais são capazes de oferecer.

 

De Recife (PE), Jornalista, leonino típico, cinéfilo doutrinador.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *