A cultura popular ocidental tem um conceito amplamente difundido de Inferno, que é baseado no que chamamos de ‘conceito bíblico’, mas devemos sempre lembrar que esse conceito é relativo e pode diferir de acordo com as diferentes religiões, mitologias e filosofias que se aplicam, tendo em comum unicamente o fato de ser o local de morada dos mortos. Mas que tal conhecer alguns deles? É seguindo esse pensamento que iremos explorar Cinco Conceitos de ‘Inferno’ Pelo Mundo.
1- Hades
O Reino de Hades, também conhecido como Submundo ou Mundo Inferior, é a versão de ‘Inferno’ segundo a cultura grega e romana, o local para onde as almas se dirigiam após sua morte, onde passam por um julgamento e onde são conduzidos a uma de suas três regiões: o Tártaro, os Campos Elísios ou o Campo de Asfódelos. Esse reino foi designado para o deus Hades logo no inicio dos tempos, quando o universo foi dividido em Céu (o éter e as nuvens), sob o dominio de Zeus, Mar, sob o domínio de Poseídon, e o seio das trevas brumosas das entranhas da Terra, o reino de Hades. Nesse reino, um enorme palácio situava-se no meio do Tártaro, onde Hades governa soberano, com sombras como súditos e tudo o que a morte ceifa na terra como riqueza.
Segundo os relatos antigos, quando um individuo morria, sua alma (ou Psiquê) era conduzida por Hermes até o cais do rio Aqueronte, onde o morto deveria entregar uma moeda ao barqueiro Caronte e garantir sua passagem até a outra margem, uma viagem através dos cinco rios do submundo: Aqueronte (rio das dores e aflições), Cócito (rio dos gemidos e lamentações), Estige (rio dos horrores e do ódio), Flegetonte (rio das chamas inextinguíveis) e Lete (rio do esquecimento). Na outra margem, os mortos ficavam sob a vigilância de Cérbero, um grande cão de três cabeças, para não fugirem enquanto esperavam seu momento no grande tribunal, onde eram julgados pelos três juízes infernais (Éaco, Radamanto e Minos) sob os olhos de Hades. Depois de julgados, os mortos são enviados para o Tártaro, caso tenham sido pessoas injustas e impiedosas, para os Campos Elísios, um lugar alegre e calmo destinado às almas boas, ou para o Campo de Asfódelos, onde ficavam as almas que em sua vida não possuíram nenhuma glória ou mérito significativos e nem cometeram atos criminosos, um lugar onde não existe castigos e nem gratificações. O Hades é o conceito de Inferno que mais se assemelha ao conceito popular atual.
2- Diyu
O Diyu, que literalmente significa “prisão terra”, é o reino dos mortos segundo as cultura chinesa, um lugar que é vagamente baseado em uma combinação do conceito budista de Naraka e nas crenças tradicionais chinesas sobre a vida após a morte, somado a variedade de expansões popular e re-interpretações de tradições. O Diyu é um vasto labirinto subterrâneo de câmaras, corredores e tribunais sombrios, cuja entrada fica em uma enorme montanha do outro lado do plano astral, e que serve para punir e purificar as almas em preparação para a reencarnação. Segundo as lendas, ele é lugar escuro e sinistro que se assemelha a um complexo de prisão e que pode ser acessado por uma passagem secreta existente na cidade fantasmagórica de Fengdu. Os relatos ditam que quando a pessoa morre é levada para a presença de Yanluo Wang, o Rei do Inferno, que faz um registro identificando o morto e o envia para o Tribunal de Qinguang Wang, onde passará por uma inspeção que determinará se a alma será dispensadas de julgamentos adicionais e enviada para o paraíso ou, assim como a grande maioria, passará por alguns outros julgamentos e punições para pagar por seus pecados terrestres e ser purificado.
Não se sabe ao certo quantas camadas existem de punições, mas juntando todos os relatos é possivel definir dezoito camadas: a Câmara da língua rasgando, onde os fofoqueiros terão suas línguas arrancadas; a Câmara de tesoura, onde as pessoas que causaram fim de casamentos terão seus dedos cortados; a Câmara de Ferro Cicadófito, onde aqueles que causaram discórdia entre familiares de outras pessoas serão pendurados em árvores de ferro; a Câmara dos Espelhos da Retribuição, onde a alma é obrigada a rever todos os seus pecados e pensamentos perversos com todos os detalhes dolorosos; a Câmara de vapor, onde um barco a vapor é usado para punir os hipócritas e encrenqueiros; a Coluna da Floresta da Cobre, onde os incendiários são amarrados em colunas de cobre incandescente; a Montanha das Facas, onde aqueles que mataram seres sencientes por diversão são obrigados a escalar uma montanha coberta de facas; a Colina de Gelo, onde os enganadores de anciões e adúlteros são deixados nus no frio extremo; o Caldeirão de óleo fervente, onde os estupradores, ladrões, abusadores e falsos acusadores são cozidos em óleo fervente; a Câmara de Boi, onde aqueles que abusaram de animais são atacados por bovinos; a Câmara de Pedra, onde os que abandonam ou matam bebês são obrigados a sustentar uma pedra pesada em cima de precipício cercado de água podre; a Câmara de almofarizes e pilões, onde os que voluntariamente desperdiçam comida são obrigados a comer fogo do inferno; a Poça de sangue, onde os desrespeitosos são jogados em uma piscina de sangue; a Cidade do Suicídio, onde os suicidas são deixados a vagar enquanto o vento da tristeza e a chuva da dor ficam o torturando; a Câmara de desmembramento, onde os invasores da tumba são esquartejados; a Montanha das Chamas, onde os ladrões e corruptos são jogados dentro de um vulcão; o Jardim dos Trituradores, onde os que subjugam os fracos, abusam de poder e oprimem o povo são esmagados e pulverizados; e a Câmara de Serra, onde os que exploram as brechas da lei e proferem práticas desleais são cortados ao meio.
3- Helheim
Helheim, também conhecido como Hel ou Casa das Névoas, é um dos nove mundos nórdicos de Yggdrasil, local para onde são enviados os mortos em geral e que é governado por Hela, cujo nome foi a base para o batismo do próprio lugar. Em Helheim é sempre encontrado um amontoado de espectros opacos, que sãos as almas daqueles que morreram morreram sem glória, por conta de alguma doença ou por conta da idade avançada. Helheim se encontra abaixo da terceira raiz de Yggdrasil, perto de Hvergelmir e Nastrond e abaixo de Niflheim, sendo o reino mais frio e baixo do universo. Não se sabe muitos detalhes sobre como funciona o caminho para Helheim, apenas que nesse reino existe um rio de armas ressoantes e um portão, onde os clandestinos nunca se atrevem tentar atravessar, há alguns relatos que afirmam que o reino é cercado por um gigantesco muro, outros dizem que é apenas uma barreira, mas todos os relatos contam que os clandestinos pulam o obstáculo ou atravessam-no por uma passagem escondida, sempre lutando para não acabar ficando preso lá dentro.
Não há relatos específicos sobre o que diferencia quem vai para Helheim de quem vai para Valhala e Fólkvangr, mas acredita-se que o fator seja justamente a honra em sua morte, afinal morrer de doença seria considerado desonroso por ser uma fraqueza e morrer de velhice significaria covardia, afinal um guerreiro deve se manter nos campos de batalha independente de sua idade.
4- Duat
Duat, também conhecido como Tuat, Tuaut, Akert, Amenthes ou Neter-khertet, é o submundo para onde os mortos se encaminham segundo a cultura egípcia. Segundo os relatos, o Duat é uma extensa área que existe abaixo da Terra e está conectada a Nun (a personificação das águas do abismo primordial), sendo a residência de Osíris (o deus do renascimento responsável por julgar os mortos) e alguns outros deuses e seres sobrenaturais. O Duat é o local onde Rá, o deus-sol, passa a noite viajando de oeste para leste para começar o dia nascendo o sol a oeste, e onde o deus prendeu Apep (a personificação do caos). Segundo o estudo de Raymond Faulkner, um famoso egiptólogo britânico que é considerada a maior referencias quando o assunto é a pós-vida egípcia, as câmaras funerárias servem de conexão entre o nosso mundo e o Duat, permitindo que os espíritos possam usar túmulos para ir e vir do Duat, havendo ainda descrito esse mundo como um local com rios, ilhas, campos, lagos, montes e cavernas, além de detalhar a existência de lagos de fogo, paredes de ferro e árvores de turquesa.
Segundo relatos, os mortos devem passar por cerca de 15 portões guardados por espíritos perigosos antes de chegar à Pesagem do Coração. O problema é que, segundo os textos, esses espíritos seriam entidades com corpos humanos e cabeças grotescas de animais, insetos, tochas ou facas, que são batizados como nomes como “Bebedor de sangue de quem vem do Matadouro” ou “Aquele que come o excremento de seu traseiro”, além de ser possivel encontrar montes e cavernas habitado por deuses ou animais sobrenaturais, um conjunto de provações que pretende ameaçar os espíritos dos mortos. Os que chegam ao ritual final se encontram com Anúbis, o deus chacal, que coloca o coração do morto em uma balança junto com a Pena da Verdade, que representa Maat (a deusa da verdade e da justiça). Qualquer coração que seja mais pesado que a Pena será rejeitado, deixando a alma para ser comida por Ammit, o Devorador de Almas, os corações que são mais leves que a Pena, são das almas que são imediatamente enviadas em direção ao paraíso de Aaru.
5- Ne no Kuni e Yomi no Kuni
Os conceitos de Ne no Kuni e Yomi no Kuni ainda são muito confusos, tendo alguns estudiosos considerado que os dois nomes são apenas nomes diferentes para o mesmo lugar. Há relatos que citam que Ne no Kuni (que significa literalmente “Terra das Raízes”) tem uma entrada ao lado da entrada de Yomi no Kuni (cujo nome significa “Terra do Submundo”), sendo a residência de Susanoo depois que o deus se afundou em sofrimento pela morte de sua mãe, Izanami, que morreu durante o parto de Kagutsuchi, o deus Fogo. Os relatos ainda afirmam que Ne no Kuni não tem a atmosfera sinistra de Yomi no Kuni, o que pode significar também que Ne no Kuni seja uma área reservada dentro de Yomi no Kuni onde Susanoo escolheu se exilar. Já os relatos sobre Yomi no Kuni narram uma terra governada por Izanami e guardada por criaturas terríveis, sendo o local para onde os mortos vão para apodrecer por tempo indefinido, o que significa que uma alma que entre em Yomi nunca mais poderá voltar para a terra dos vivos.
Segundo os relatos de diversos estudiosos, quando Izanami morreu e chegou a Yomi no Kuni, a deusa encontrou uma palácio escuro, que ela passou a iluminar com um pente em chamas, onde ela assumiu o controle e passou a reinar, colocando pedras para obstruir as passagens para Takaamahara (a Planície do Alto Céu governada por Amaterasu) e para Ashihara no Nakatsu Kuni (o mundo dos humanos), purificando seu corpo da poluição, o que criou Yasomagatsuhi no kami (deus do desastre) e Omagatsuhi no kami (deus da desordem), que são considerados como os causadores de toda a desordem que existe no mundo. Os estudos ainda afirmam que Yomi no Kuni não pode ser considerado como um paraíso, onde se vive em paz, ou como um inferno, onde se vive sendo torturado, mas sim como um lugar onde os mortos levam uma existência sombria eterna, independentemente de seu comportamento em vida. Muitos acreditam que o imaginário da aparência de Yomi foi baseado nas antigas tumbas japonesas, onde os cadáveres eram deixados para se decompor.
Icaro Augusto
Sonhador nato desde pequeno, Designer Gráfico por formação e sempre empenhado em salvar o reino de Hyrule. Produtor de Eventos e CEO da Host Geek, vem lutando ano após ano para trazer a sua terra toda a experiência geek que ela merece.