Nota
Há muitas décadas a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas está devendo o Oscar à Glenn Close. Duelando com Meryl Streep e talvez outras duas ou três atrizes vivas, Glenn é uma das grandes forças da natureza de Hollywood e coleciona indicações por papéis excepcionais sem nunca ter levado o prêmio da Academia pra casa. É, portanto, para ela – e por ela – que A Esposa é feito, encomendado quase sob medida.
No filme, inspirado em um romance de mesmo nome escrito pela autora Meg Wolitzer, um aclamado escritor de ficção (Jonathan Pryce) acaba de receber o prêmio Nobel da literatura e vai até Estocolmo para a cerimônia de entrega, levando consigo o filho mais velho (Max Irons) e a esposa (Close). Todas as regalias e atenções recebidas por eles como preparativos para a solenidade, no entanto, causam um desconforto cada vez maior na companheira, dando início a uma série de revelações sobre o passado do relacionamento do casal.
Desenvolvendo um vai e vem no tempo, no qual os conflitos surgem primeiro nas sensações de incômodo do espectador e depois na própria trama, o diretor sueco Björn Runge encontra um naturalismo, com escolhas de câmera simples mas que ressaltam o poder das interpretações. O roteiro escrito por Jane Anderson coloca desde cedo indícios de que algo está errado ali, conseguindo segurar a curiosidade do público até o momento das revelações – essa espera, aliás, salva as sequências de flash-back do tédio total, já que, além de serem dirigidas sem nenhuma sutileza, frequentemente interrompem o fluxo da narrativa principal.
Por outro lado, o assunto central de A Esposa encontra sempre espaço sem soar um panfleto feminista, sendo fundamental para isso a caracterização de Jonathan Pryce no papel do marido; o ator evita clichês fáceis e caricaturas, criando um personagem charmoso e canalha na mesma medida. Mas o que dá sentido ao tema, obviamente, é a contida e brilhante composição de Glenn Close como Joan: sua acomodação e abnegação lhe provocam uma angústia profunda que a atriz exprime apenas com a respiração pesada e o olhar desiludido. E se muitas de suas características mais pessoais não são exploradas pelo roteiro, é justamente pela falta de voz da personagem, o que não lhe permitiu ser dona de sua própria história ou ao menos vivê-la.
Talvez seja radicalismo afirmar que A Esposa existe apenas em função de Glenn Close, mas não dá para negar que, tirando uma excelente explanação do processo cerimonial do prêmio Nobel, nada no filme é construído de maneira mais sólida e completa do que o pedestal para erguer essa atriz espetacular à altura do careca dourado desnudo. E ela, novamente, faz por merecer.