Crítica | A Favorita (The Favourite)

Nota
4

Entre todos os cineastas europeus que seguiram na corrente misantrópica de Lars von Trier e Michael Haneke, nenhum surgiu com uma regularidade qualitativa e um estilo mais sólido do que o grego Yorgos Lanthimos (O Lagosta). O seu pessimismo cínico sempre teve espaço narrativo em seus enquadramentos obsessivamente simétricos e seus roteiros imprevisíveis, mas finalmente encontrou uma voz de apelo mais universal – tanto em tema quanto em gênero – em A Favorita.

Aqui, no entanto, o roteiro é escrito pela dupla Deborah Davis e Tony McNamara, e é uma sátira passada no castelo real da Inglaterra do século XVIII, onde duas primas desconhecidas (Rachel Weisz e Emma Stone) disputam a atenção e os privilégios concedidos pela Rainha Anne (Olivia Colman). Ainda que a guerra e as relações políticas estejam presentes, o verdadeiro jogo de xadrez aqui está no triângulo de mulheres e se reflete na situação do reino ao longo da projeção. E se Lanthimos utiliza o panorama histórico de maneira cartunesca justamente para deixar claro que é pano de fundo, para cada uma das três protagonistas ele desenvolve personalidades fortes, complexas e contrastantes.

A Rainha Anne é instável, infantil e constantemente influenciável, mas é também muito mais consciente do jogo de poder que se amontoa ao seu redor do que parece, e Olivia Colman é brilhante na construção da histeria propositalmente ridícula de sua personagem, tal como em sua infelicidade inapelável. Rachel Weisz, no papel da confidente e braço direito da rainha (ou talvez todos os membros), demonstra desde cedo sua capacidade de manipulação nas relações do palácio, mas sua posição de controle tem de se moldar. Essa mudança surge na forma da personagem de Emma Stone, que chega ao reino como uma criada doméstica e passa pelo principal arco da trama, levando o espectador a constatá-la como a real protagonista de A Favorita; com seus olhos superexpressivos e gestos delicados, a atriz consegue esboçar toda a sua mordacidade apenas em um choro, sendo este, talvez, o trabalho mais impressionante e nuançado de sua carreira.

A fotografia (inspiradíssima) mantém aqueles elementos tradicionais do cineasta grego, dos quadros compostos e rigorosos ao uso constante contra plongée. Já a lente olho de peixe, embora produza um efeito belíssimo, não é trabalhada com a mesma disciplina, surgindo tanto em tomadas de ambientação como em planos subjetivos. A música tem um impacto oportuno, equilibrando com perfeição humor e até uma dose de suspense, e os figurinos (lindos) têm ainda mais função narrativa do que estética. Mas o que chama mesmo a atenção no filme do ponto de vista técnico é o riquíssimo design de produção, que transporta o público de imediato para aquele contexto e o conduz num labirinto de luxo, sedução e uma pontual claustrofobia.

O humor é constante em A Favorita, sim, mas não o suficiente para torná-lo uma comédia aberta. Apesar de todo o absurdo, a sensação que o belo simbolismo ao final produz é curiosamente o mesmo dos filmes anteriores de Lanthimos: ainda que algo pareça ter se resolvido, a tendência vai ser sempre terminar da pior maneira – se é que não já terminou.

De Recife (PE), Jornalista, leonino típico, cinéfilo doutrinador.

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