Crítica | A Hora do Vampiro (Salem’s Lot) [2024]

Nota
2

O horror é um gênero que, quando bem executado, tem a capacidade de deixar o espectador em um estado de constante tensão, oprimido pelo medo do desconhecido. E é essa atmosfera que define uma obra verdadeiramente eficaz: a criação de uma tensão que se infiltra nas frestas do cotidiano e transforma até mesmo a cena mais mundana em algo aterrorizante. Mas, o que acontece quando essa construção de atmosfera é apressada? Quando as peças não têm tempo de se encaixar adequadamente, e a tensão cede lugar à pressa narrativa? O resultado, por vezes, é um filme que, apesar de suas intenções, deixa de provocar o impacto emocional que deveria.

Em A Hora do Vampiro, nova adaptação da obra clássica de Stephen King, essa questão se torna o maior obstáculo. Dirigido por Gary Dauberman, o filme enfrenta o desafio de comprimir uma história rica e densa em um formato de longa-metragem, algo que já havia sido superado anteriormente nas minisséries de 1979 e 2004. O enredo acompanha o escritor Ben Mears (Lewis Pullman), que retorna à sua cidade natal, Jerusalém’s Lot, para lidar com traumas passados, apenas para descobrir que o local está prestes a ser dominado por vampiros liderados pelo misterioso Kurt Barlow (Alexander Ward) e seu assistente humano, Richard Straker (Pilou Asbæk).

Diferentemente da minissérie original, que teve o tempo necessário para explorar a atmosfera da pequena cidade de Salem e o gradual crescimento do terror, o filme de 2024 apressa seus eventos, quase como se estivesse correndo contra o tempo. A introdução dos personagens é feita de maneira superficial, o que impede uma conexão real com o público. Ben, o protagonista, é especialmente prejudicado por esse ritmo acelerado, com seu arco dramático sendo desenvolvido de forma rasa, o que dilui o impacto de seu envolvimento emocional com o caos que se desenrola.

O maior erro do longa é justamente sua insistência em manter-se dentro dos moldes de um filme convencional, quando a narrativa claramente pede por mais espaço. Assim como aconteceu com a adaptação de It, a Coisa, de Stephen King, que foi dividida em duas partes para abarcar a riqueza do material original, esta história também teria se beneficiado enormemente de um formato de minissérie. A estrutura fragmentada e a falta de desenvolvimento de personagens chave, como Susan (Makenzie Leigh) e Dr. Cody (Alfre Woodard), resultam em um filme que parece incompleto, com muitas de suas transições de cena soando abruptas e desconexas.

Além disso, o próprio vilão, Barlow, é prejudicado pela revelação apressada. No cinema de terror, o mistério em torno da criatura é essencial para o sucesso do medo que ela provoca. Mostrar Barlow tão cedo, sem o devido cuidado em construir a sua ameaça, reduz o impacto que ele poderia ter ao longo da trama. Embora suas aparições sejam visualmente perturbadoras, a ausência de suspense dilui seu potencial como antagonista.

O que resta de positivo são as tentativas de Dauberman de modernizar certos aspectos da trama e incorporar o clima de paranoia que permeia a obra de Stephen King, algo especialmente marcante no período retratado, os anos 1970. A sensação de desconfiança entre os moradores de Salem é algo que a narrativa tenta transmitir, mas é frequentemente ofuscada pelo ritmo acelerado que não permite que essas nuances respirem. A estética da produção, por sua vez, é competente, mas não memorável, o que apenas ressalta o quão dependente o filme é de sua trama para causar impacto.

No entanto, mesmo em meio a esses problemas, o elenco consegue encontrar seus momentos. Bill Camp, como o Professor Matthew, e John Benjamin Hickey, como o Padre Callahan, conseguem transmitir uma certa gravidade a seus papéis, e são eles que entregam algumas das cenas mais eficazes do filme. A interação de Camp com um vampirizado Mike, vivido por Spencer Treat Clark, no bar da cidade, é um exemplo raro de como o filme poderia ter sido se tivesse optado por um desenvolvimento mais cuidadoso.

Dessa forma só resta constatar que a nova versão de A Hora do Vampiro é uma adaptação que tenta, mas falha em capturar a essência do material original de Stephen King. O filme acaba sendo uma obra que, embora tenha momentos pontuais de brilho, sofre com sua própria pressa e falta de tempo para criar uma atmosfera verdadeiramente aterrorizante. Se há uma lição a ser aprendida aqui, é que nem toda história pode ser contada de forma eficiente em apenas algumas horas. O filme seria infinitamente melhor servido no formato de minissérie, como suas versões anteriores, onde o terror poderia se desenvolver de forma gradual e sufocante, deixando o público imerso no pesadelo que é Jerusalém’s Lot.

 

Pernambucano, jogador de RPG, pesquisador nas áreas de gênero, diversidade e bioética, comentarista no X, fã incontestável de Junji Ito e Naoki Urasawa. Ah, também sou advogado e me arrisco como crítico nas horas vagas.

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