Crítica | A Menina que Matou os Pais

Nota
4

“Ela sempre me dizia que pensava e planejava a morte dos pais. Mas eu não conseguia achar o motivo de tanto ódio.”

Em 31 de outubro de 2002, as portas de uma mansão no Brooklin, em São Paulo, foram abertas para que ocorresse o assassinato de de Manfred Albert von Richthofen e Marísia von Richthofen, posteriormente foi descoberto que o crime foi realizado por Suzane von Richthofen, a filha do casal, e os irmãos Daniel e Cristian Cravinhos, respectivamente o namorado e o cunhado de Suzane. Toda a morte foi planejada pelo trio para simular um roubo seguido de morte, na busca pela divisão da herança que seria dada a Suzane. Toda história tem um começo, um meio e um fim, todos sempre souberam o fim que teve essa história, mas como a filha de um engenheiro alemão naturalizado brasileiro e uma renomada psiquiatra acabou se tornando a mandante de um crime tão hediondo?

Programado para ser lançado em abril de 2020, A Menina que Matou os Pais, junto com O Menino que Matou Meus Pais, é o fruto do roteiro da criminóloga Ilana Casoy e do escritor Raphael Montes, que se inspira diretamente nos autos do processo do famoso Caso Richthofen, mais especificamente adaptando todos os relatos e testemunhos dados pelos envolvidos. Com direção de Mauricio Eça, os longas acabaram sendo adiados por conta da pandemia de COVID-19, o que deu tempo suficiente para que a produção esclarecesse os diversos boatos que surgiram sobre uma suposta ligação da produção com os criminosos e a glamourização da violência, algo que só aumentou o hype do filme até que, em 2021, os direitos de distribuição fossem comprados pela Amazon Prime Video, e o filme acabasse sendo lançado pelo serviço de streaming em 24 de setembro do mesmo ano. Conforme divulgado por Eça, a segunda parte da história é A Menina que Matou os Pais, longa que mostra o olhar de Daniel Cravinhos a respeito do crime.

O gênero True Crime é um sucesso mundial há anos, já nos é comum vermos séries e filmes documentais indo fundo em diversos crimes, e atualmente está cada vez mais comum vermos filmes e séries internacionais dramatizando diversos crimes famosos. Mas fugindo dos sucessos como American Crime Story, e vindo direto para o Brasil, essa ramificação do gênero ainda é muito precária e carente, mesmo se considerarmos que temos um clássico por meio do saudoso Linha Direta, algo que pode mudar completamente com a chegada da duologia de Eça. Girando uma chave que abre diversas portas, os longas seguem a tendência americana e criam uma superprodução que nos envolve em cada uma das suas versões, sem deixar claro o que é verdade em cada relato, somos expostos a duas histórias que criam dois vilões perante dois mocinhos, será que Suzane foi coagida por Daniel ou Daniel foi manipulado por Suzane? Os filmes em si não se importam em nos dar essa resposta, e é justamente por isso que tudo fica ainda melhor, mais envolvente e mais gostoso de assistir.

Nessa segunda parte, temos o protagonismo todo jogado para Leonardo Bittencourt que interpreta magistralmente uma nova faceta do Daniel. Daniel é humilde, romântico, decidido, energético e está sempre disposto a proteger a garota que ama, principalmente quando percebe que não é aceito como o namorado ideal para Suzane. Nessa versão da história, ele é o rapaz pobre que é influenciado pela garota rica, ele é um jovem apaixonado que é manipulado pela garota que tanto ama, e é justamente por isso que acabamos conhecendo uma versão completamente diferente de Suzane, uma versão mais obscura e rancorosa. Pelo olhar de Daniel, a Suzane de Carla Diaz não é exatamente a vilã, ela é a vítima dos fatos que acabou se transformando pelos traumas que sofreu, ela é uma garota vulnerável e retraída, que parece estar guardando um segredo doloroso e se refugiando nos braços do namorado para se sentir segura. Nessa segunda visão fica claro o trabalho magistral de Diaz e Bittencourt, dividindo a tela com graça e replicando fielmente várias das cenas do longa anterior sob uma nova atmosfera, fica claro o tempo todo os pontos em comum se encaixando, mas é nos detalhes que o filme nos pega, uma mudança no pódio, uma fala diferente, um olhar diferente, tudo é suficiente para mostrar que a mesma cena pode não ser exatamente igual sob dois pontos de vista. Na versão onde Suzane introduz Daniel ao uso da maconha, e não ao contrario como narrou o outro filme, Leonardo Medeiros, interprete de Manfred, divide o antagonismo com Vera Zimmermann, interprete de Marísia. Manfred é controlador e violento enquanto Marísia é arrogante e superior, fica claro o tempo todo o desconforto do casal com o namoro, sendo apresentados como alcoólatras, infiéis e rigorosos.

Mudando completamente a visão dos fatos e trazendo a tona questões polemicas, A Menina que Matou os Pais reorganiza os fatos e muda completamente as culpas por trás do crime que marcou a história do Brasil. Nessa nova versão, começamos a ver uma Suzane mais fiel ao que conhecemos ao mesmo tempo que vemos uma versão mais inocente de Daniel, que parece fantasiosa até demais para a realidade. Com uma evolução do enredo e uma montagem de mestre, o longa muda até sua trilha para nos envolver em uma nova atmosfera, fazendo uso de guitarras e baterias para dar uma tensão mais palpável aos fatos, o roteiro não traz um romance, como seu anterior, mas a adrenalina de uma namorado protetor, e isso fica cada vez mais claro a medida que Suzane vai se transformando, se tornando uma mulher dominante, ciumenta, que começa a investigar as traições do pai e desconfiar do caso da mãe, e que se desapega das amarras ao começar a bater e ficar sempre por cima na hora do sexo, tudo ao mesmo tempo que a garota começa a surgir com hematomas e que o longa começa a debater sobre a possibilidade de a garota sofrer abuso sexual do pai. Tapando os buracos que restam do longa anterior, e deixando buracos que se encaixam nas informações dele, a produção flui harmoniosamente ao nos mostrar um segundo ponto de vista, que ainda é tendencioso, para os fatos e mistérios que perduram até hoje sobre os eventos que levaram ao assassinato dos von Richthofen executado pela filha do casal e seu namorado, mantendo no ar a pergunta de quem realmente teve a ideia e quem realmente foi convencido a participar do crime.

“Imagina se o avião dos meus pais caísse, facilitaria muito…”

 

Sonhador nato desde pequeno, Designer Gráfico por formação e sempre empenhado em salvar o reino de Hyrule. Produtor de Eventos e CEO da Host Geek, vem lutando ano após ano para trazer a sua terra toda a experiência geek que ela merece.

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