Crítica | A Vida Depois (The Fallout)

Nota
4

“- Por que ele fez isso?
– Eu sei lá, tem um por que?”

Uma mensagem de urgência tira Vada de sua sala de aula, sua irmã mais nova liga desesperada após sua primeira menstruação, a procura de conselhos. Depois de um susto desproporcional, a garota decide ir no banheiro, onde vive o momento mais traumático de sua vida: Um atirador invade a escola, começa a disparar em alunos, e tudo que Vada pode fazer é ficar escondida dentro do banheiro, compartilhando aquele box com MiaQuinton enquanto imploram para não serem encontrados pelo atirador, sendo vítimas do terror de se guiar apenas pelos sons de tiros, sem saber o que vai acontecer em seguida. Intenso de uma forma desproporcionalmente agradavel, A Vida Depois entrega tudo em seus primeiro minutos para só então contar a verdadeira história que propõe: Como fica a vida de um adolescente depois de passar por um evento tão traumático como esse?

Iniciando com um dialogo sobre fatos corriqueiros da vida, Megan Park mostra que, mesmo sendo uma estreante na direção, é capaz de dirigir e roteirizar um filme com uma potencia absurda e capaz de manter seu tom numa rédea firme, que vai guiando a audiência através de seus altos e baixos. Park sabe trazer empatia e sutileza no desenvolvimento da trama, evitando o sensacionalismo ao mesmo tempo que foca na jornada interna de Vada, dando ao espectador uma chance de se conectar mais profundamente com a personagem e entender seus medos, questionamentos e desafios. A grande arma do filme é justamente o fato de vermos uma confusão mental ao ver uma adolescente, que normalmente está numa fase onde não sabe ainda o que quer da vida e que caminho pretende seguir para construir seu futuro, que também é uma sobrevivente de um atentado, o que normalmente faz com que as pessoas percam completamente sua perspectiva de futuro, precisem revisitar suas motivações para viver e passem a se sentir cada vez mais vulneraveis, fazendo com que o carater coming of age do roteiro alcance um patamar inesperado.

Com um roteiro que traz dialogos de forma natural e vivências que podem soar comuns a diversos adolescentes, o longa começa a explorar justamente como o tiroteio reverbera na vida dos sobreviventes, mostrando que não é apenas um trauma com a escola, é um trauma que despedaça diversas experiências da vida. No leme dessa trama, não era de se esperar ninguem menos do que Jenna Ortega para interpretar Vada, a atriz entrega uma performance sincera e comovente, sabendo transmitir as emoções complexas que a personagem vive de forma clara, levando o espectador a sentir sua apatia, sua vulnerabilidade, sua angustia e sua raiva. Ao lado dela está Maddie Ziegler, que no papel de Mia consegue mostrar que é muito mais do que uma dançarina dos clipes de SIA e entrega uma série de camadas emocionais da personagem, trazendo em sua personagem uma segunda visão do que é sobreviver ao atentado. Enquanto Vada parece representar aqueles que perdem o sentido da vida, Mia nos entrega uma personagem que perdeu a coragem de viver, ela se tranca e não consegue mais se sentir segura fora dos muros da sua casa. Claro que não dá pra deixar de citar o Quinton de Niles Fitch e o Nick de Will Ropp, que também nos apresentam outras duas versões de sobreviventes: enquanto Quinton é aquele que precisa ser forte, visto que seu irmão morreu no atentado, se tornando o apoio emocional da familia e sendo obrigado a reprimir seus sentimentos para não desmoronar de vez, Nick concentra todos os seus traumas na forma de altruismo, se politizando e transformando sua dor em energia para lutar para que atentados como esse nunca mais aconteçam.

Apesar de a protagonista do longa ser Vada, talvez um dos problemas da produção seja justamente ter esquecido que o filme não é só sobre ela, é sobre um acontecimento e o impacto na vida das pessoas que passaram por isso, seja de forma direta ou indireta, ou seja, faltou aprofundar mais a história de Mia, faltou muito mais aprofundamento nas histórias de Quinton e Nick e, para enriquecer verdadeiramente o contexto, faltou dar ao espectador um desenvolvimento no impacto que o atentado teve na vida dos familiares de Vada, dando um melhor contraponto a tudo que eles estavam sentindo depois do medo do atentado e na luta por ajudar a protagonista a se reerguer. Outro erro foi o longa começar com uma questão tão potente, como a violência em escolas e políticas de controle de armas, mas depois começar a se perder ao querer abraçar muitas questões ao mesmo tempo, trazendo debates sobre sexualidade, descobertas, rebeldia, conflitos familiares, drogas e identidade, o que fez com houvesse muito para discutir em apenas 92 minutos de filme. Talvez por isso muitas passagens acabem soando previsiveis, pois não há tempo para aprofundar e desenvolver os dramas ao ponto de fugir dos clichês. No fim, A Vida Depois é um filme poderoso e intimista, que, embora não seja perfeito, tem um impacto sincero no espectador. Graças ao elenco potente e a direção cuidadosa, o longa consegue abordar temas dificeis de uma forma que, nos tempos atuais, ele ainda seja relevante para o publico jovem diante das incertezas e desafios do mundo moderno.

 

Sonhador nato desde pequeno, Designer Gráfico por formação e sempre empenhado em salvar o reino de Hyrule. Produtor de Eventos e CEO da Host Geek, vem lutando ano após ano para trazer a sua terra toda a experiência geek que ela merece.

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