Nota
“Mas eu não quero ver gente maluca.
Isso não pode evitar. Tudo aqui é maluco.”
Alice (Kathryn Beaumont) é uma menina sonhadora e curiosa que, enquanto divaga por conta de uma aula de chata de história, percebe um apressado Coelho Branco (Bill Thompson) e decide segui-lo. Entrando pela toca do coelho, a garota entra em um mundo fantástico e confuso que se torna cada vez mais interessante a cada excêntrica virada de cenário.
Entre festas de chá insanas, encontros confusos e música memoráveis, a garota entra em uma jornada inesquecível com personagens icônicos que se tornaram um marco na historia do cinema e da literatura.
Sendo o 13° longa animado da Disney, e o segundo da nova leva após o terrível período pós Segunda Guerra, Alice no País das Maravilhas trouxe um novo contexto e um inusitado estilo de narrativa para o consagrado estúdio. Abusando do senso lúdico, e trazendo um molde mais sensorial, o longa nos leva a uma viagem extravagante repleta de loucura que nos imerge em uma jornada atemporal que parece ter sido retirada de um sonho antes de qualquer outra coisa.
Abusando de suas cores, formas e traços, a animação vai mesclando o espaço lúdico de um sonho com o tom obscuro de um pesadelo. Tudo ali é construído para nos deixar confusos ou nos tirar de nosso lugar comum, com tramas soltas que não parecem ter ligação além do simples vagar da protagonista pelas terras desconhecidas. É tudo frustrante, obscuro e colorido a ponto de nos deixar tão perdidos e desnorteados quanto Alice na floresta repleta de placas.
Absorvendo com maestria o espírito caótico e maravilhoso da obra de Lewis Carroll, o longa mescla sombra e luz trazendo uma nova dimensão a seus personagens (e cenários) insanos. Não é a toa que por muitas vezes tudo pareça um palco, com iluminações teatrais que aprofundam os sentimentos de Alice nos imergindo em sua confusão e seu desejo profundo de voltar para casa.
Alice, por si só, reconhece em vários momentos que sua curiosidade prejudica mais do que ajuda. Seu senso a aconselha em vários momentos apenas para ser ignorado logo em seguida por algo fascinante aos olhos infantis, deixando de lado o lógico para correr atrás do absurdo. Curiosa, irritadiça e repleta de uma jovialidade genuína ela conduz a trama e tenta trazer algum senso de logica em meio a toda sua loucura fantasiosa. E é com ela que conhecemos personagens tão icônicos e poderosos.
Somos introduzidos ao fantástico ao perseguir o ansioso Coelho Branco, que está sempre apressado e não tem forças para contrariar ninguém. As longas conversas filosóficas com a Lagarta Azul (Richard Hayden) apenas aprofundam ainda mais o senso de não sabermos realmente quem somos, a ponto de nos metamorfosear em seus questionamentos pertinentes e invasivos. Tweedledee e Tweedledum (J. Pat O’Malley) nos introduzem a algumas das varias pontas soltas que trazem ensinamentos precisos mas sem real ligação com a narrativa mostrando ainda mais o lado insano que a Disney buscou levar a obra.
E por falar em insano, como não lembrar da memorável hora do chá? O Chapeleiro Maluco (Ed Wynn) é a representação do nonsense. Todo seu diálogo e construção é maluco e gritante, tornando-o uma das melhores representações do País das Maravilhas. A atuação memorável e a mistura com o fantástico são tão sublimes que é impossível não apreciar toda a cena. Junto com a Lebre de Março (Jerry Collona) e o sonolento Arganaz (Jimmy MacDonald) mostram uma das melhores cenas de todo o longa.
O Gato de Cheshire (Sterling Holloway) entra com seu lado malandro, trazendo um deboche impar de quem está com total controle da situação. Caótico e emblemático, o gato nos mostra varias facetas de sua loucura enquanto debocha de Alice por se levar tanto a sério (mesmo que a vida da mesma esteja correndo perigo). Sua presença é forte e completamente imprevisível, trazendo uma nova química a animação de algo que não sabemos decifrar.
A Rainha de Copas (Verna Felton) é imponente, assustadora e tirânica. Todas as suas vontades devem ser obedecidas, e ai de quem se meter no seu caminho. Embora apareça apenas na parte final do filme, sua presença se torna memorável e seu bordão dificilmente vai ser esquecido por aqueles que se aventurarem por seu caminho.
Em questão musical, o longa trás alguns tons inesperados. Alice é a única personagem da Disney que desafina, trazendo toda sua idade no tom de voz. Conhecemos isso em In a World of My Own, onde a protagonista verbaliza seu sonho de lugar ideal. Passamos para a apressada I’m Late até emergimos na caótica The Caucus Race. Conhecemos a infeliz historia de The Walrus and the Carpenter, que acaba nos dando uma ótima lição de moral, até encaramos a magnífica All in the Golden Afternoon, que trás uma das mais harmoniosas e inspiradas canções do longa.
Logo em seguida chegamos à icônica The Unbirthday Song, que marcou época e construiu a mitologia mágica de uma louca hora do chá. Very Good Advice monta um dos momentos mais solitários do filme e, somada a trágica Painting the Roses Red e March of the Cards, ajudam a finalizar a obra com maestria.
Repleto de um tempero lúdico e fantasioso, Alice no País das Maravilhas continua sendo uma das obras mais magníficas que a Disney produziu. Abraçando sua estranheza e enaltecendo seu simbolismo sonhador, o filme marca o retorno das animações após uma época sombria, onde pouco foi permitido fazer mas, que agora, estava finalmente liberto para fazer aquilo que a Disney sempre amou: criar sonhos até no mais caótico dos mundos.
“Agora sopre a vela mas não queimes o nariz
Um des-aniversário feliz.”
https://youtu.be/6ObUGtIi3U4
Phael Pablo
Preso em um espaço temporal, e determinado a conseguir o meu diploma no curso de Publicidade decidi interagir com o grande público e conseguir o máximo de informações para minhas pesquisas recentes além, é claro, de falar das coisas que mais gosto no mundo de uma maneira despreocupada e divertida. Ainda me pergunto se isso é a vida real ou apenas uma fantasia e como posso tomar meu destino nas minhas mãos antes que seja tarde demais...