Nota
Arca de Noé, a animação brasileira de Sérgio Machado inspirada nos poemas de Vinicius de Moraes, narra a grande aventura de Vini e Tom, dois ratinhos artistas boêmios (uma homenagem a Tom Jobim e Vinícius de Moraes) que acabam adentrando na Arca de Noé. No entanto, eles não imaginam o caos que iriam vivenciar nessa viagem. Diante da falta de comida para uns, excesso para outros, ganância e disputas por poder, eles promovem um concurso de música juntamente com a neta do Noé, chamada Nina, para tentar combater as desigualdades que se instauram na Arca. Repleto de elementos culturais, Arca de Noé surpreende com sua brasilidade e ótima adaptação das obras de Moraes. Apesar de não apresentar uma narrativa inovadora, a nova animação brasileira consegue entregar um visual muito bonito, com um ótimo conteúdo e boas reflexões acerca das estruturas de poder enraizadas na sociedade.
Seguindo um tom de comédia, Arca de Noé possui diálogos com muitas entrelinhas, fazendo piadas bastante interligadas com a atualidade. Mas ainda assim, essa noção temporal se perde durante a narrativa, tendo em vista que todos os elementos ao redor remetem ao passado, menos as falas, deixando o espectador confuso. Ademais, existe um evidente problema no desenvolvimento dos personagens. Mesmo com 1h 40 de filme, a sensação que dá é que eles não foram aprofundados, provavelmente devido à escolha por seguir à risca a metodologia de roteiro da Jornada do Herói. Talvez um trabalho de flexibilização desse modelo diante da quantidade enorme de personagens funcionasse melhor. Sendo assim, é triste perceber isso tendo em vista que claramente há muitos fatores a serem explorados nas vivências dos protagonistas, principalmente da família do Noé. Nina é uma garota incrível, que poderia ter muito mais ênfase na narrativa, mas ainda assim se torna de certa forma apenas uma “mentora” na obra, assim como sua mágica avó que é evidentemente a representação de uma mulher curandeira.
Paralelamente, Arca de Noé possui um caráter demasiadamente lúdico e poético, conseguindo entreter as crianças e fazer os adultos entenderem que existe uma mensagem muito mais além naquela narrativa. Há uma perceptível reflexão sobre as desigualdades decorrentes do sistema capitalista, que é o sustento de todo o enredo. No entanto, o que torna Arca de Noé uma animação interessante é mais como eles conseguem trazer brasilidade para a obra. As canções são muito bem adaptadas, assim como as melodias que dialogam totalmente com a cultura brasileira. É muito bonito ver como conseguem trazer desde uma representação do carnaval, ao retrato de ritmos como a bossa nova, samba e principalmente o xaxado. É incrível enxergar uma representação da cultura nordestina em uma animação, algo praticamente inédito no cinema mainstream. Sendo assim, essa ousadia em reafirmar que o filme é brasileiro, acaba por conectar bastante o próprio público brasileiro com a obra, trazendo mais autenticidade e notoriedade.
Portanto, Arca de Noé é uma animação que vale muito a pena assistir. Apesar da falta de profundidade narrativa, existem elementos importantíssimos sendo representados nessa obra, sendo uma ótima homenagem ao importante poeta brasileiro Vinícius de Moraes. É lindo enxergar aspectos da cultura brasileira em uma animação, de forma diversa. Dessa forma, Arca de Noé, mesmo apresentando um roteiro com questões a serem aprofundadas, tem uma grande importância no fomento e incentivo da valorização da animação brasileira, principalmente a animação brasileira que retrata a nossa cultura e é vinculada a nós.
Júlia Santiago
Estudante de cinema, pernambucana