Nota
Conhecido pela carga dramática e pretensa densidade temática, o diretor Steve McQueen é também um dos grandes manipuladores do cinema americano atual. Embora contextualmente muito diferentes entre si, seus filmes nunca abandonam a tática do choque emocional filmado com uma crueza deliberada que frequentemente distancia a plateia dos dramas dos personagens, no que deveria aproximá-la (vide o bom, mas superestimado 12 Anos de Escravidão). Agora com As Viúvas, o cineasta incorpora aos próprios maneirismos o filme “de gênero”, no caso, o heist movie, tornando seu cinema mais acessível e, curiosamente, com muito mais a dizer.
As Viúvas segue um grupo de mulheres, lideradas por Veronica (Viola Davis), das quais os maridos criminosos foram mortos em um violento confronto com a polícia. Determinadas a concluir a missão deixada inacabada pelos finados, as mulheres elaboram um plano arriscadíssimo para tirar 5 milhões do cofre de um candidato a vereador às vésperas das eleições, enquanto o candidato adversário segue no encalço das viúvas para recuperar o dinheiro que seus maridos lhe estavam devendo.
O roteiro é coescrito por Gilliam Flynn (autora de Garota Exemplar e roteirista do filme homônimo dirigido por David Fincher) e consegue dar conta de muitos personagens em situações paralelas de maneira gradativamente convergente. O primeiro ato é longo e um tanto compassado, ancorado nas excelentes interpretações do elenco e na inteligência da montagem, sobrepondo momentos de idílica intimidade com a brutalidade que está por vir. A trilha sonora do mestre Hans Zimmer se mantém silenciosa durante a primeira metade da projeção, mas cresce conforme as revelações do enredo se desdobram e o peso das emoções se faz presente.
Como de costume, Viola Davis é de arrepiar e entrega em As Viúvas uma figura complexa em suas intenções e capacidades, mas sempre cheia de intensidade. Aqui, no entanto, a estrela contracena com um time igualmente forte, composto por Elizabeth Debicki, Daniel Kaluuya, Colin Farrell, Robert Duvall, Carrie Coon e Liam Neeson (Michelle Rodriguez vem um pouco atrás). Em seu empenhado papel de tirar toda a relevância possível do texto (ótimo) e da substância que seus atores são capazes de empregar aos personagens, Steve McQueen novamente abusa de planos longos e da violência realista e cheia de impacto, com destaque para o plano-sequência que segue um carro com duas pessoas conversando e o flashback explicativo onde um jovem negro é baleado por policiais.
Com toda a urgência do gênero e dos temas, portanto, a mão pesada de McQueen faz todo o sentido em As Viúvas – ainda que ele nunca consiga conciliar plenamente seu realismo habitual com as frases de efeito tradicionais de filme de assalto. Aliás, o roteiro também nunca resolve de maneira satisfatória o pano de fundo político da história que, ao invés de colaborar com a narrativa, chega a atrasá-la em um momento chave de tensão. A condução da grande sequência de roubo no ato final, porém, é sensacional e talvez o momento mais inspirado e fluido de toda a carreira do diretor britânico. Tudo o que antecede e sucede essa catarse, ao final, pode não ser perfeito, mas é extremamente recompensador.