Crítica | Assassinos da Lua das Flores (Killers of the Flower Moon)

Nota
5

Novamente deixando sua marca na história do cinema, Martin Scorsese traz para as telas não um filme e sim uma obra de peso, que merece ser apreciada em toda a sua extensão. Durante as quase três horas e meia de Assassinos da Lua das Flores (Killers of the Flower Moon, no original), somos apresentados a um dos eventos mais violentos da história dos Estados Unidos através de uma ótica particular, adotada por Scorcese, que leva o espectador a mergulhar cada vez mais nas nuances da degradação humana.

Sendo baseado no livro Assassinos da Lua das Flores: Petróleo, Morte e a Origem do FBI, do repórter-investigativo David Grann, o filme conta a história da série de crimes cometidos no condado Osage, Oklahoma, entre as décadas de 1910 e 1930, contra seu povo originário, motivado pela ganância por petróleo e terras. Essa série de assassinatos levou a criação do FBI por J. Egar Hoover, na tentativa de resolver o caso. O filme ainda conta pela primeira vez com a união de dois dos maiores colaboradores de Scorcese no cinema no mesmo filme, Robert De Niro e Leonardo DiCaprio, algo que muito se esperava.

A história tem como ponto inicial a descoberta do petróleo pelos povos originários Osage, que acabaram por se tornar um dos povos mais ricos de todos os Estados Unidos e seu condado um dos mais prósperos. Dessa forma o esperado ocorre: a chegada do homem branco que busca se aproximar dos nativos e conseguir se apropriar do ouro negro que tanto desejam. A introdução do filme traz uma análise sobre o período, de forma que o espectador não se perca por falta de conhecimento da história norte-americana, trazendo não só a visão dos brancos quanto a mais que justa visão dos nativos.

O ritmo inicialmente lento do filme e suas quase 3 horas e meia podem assustar toda uma geração que está acostumada a filmes mais dinâmicos e curtos, porém é possível que fosse necessário mais tempo para abordar com ainda mais qualidade todo o período violento e movido a ganância presente na obra.

A partir desse ponto o filme, diverge do seu material fonte dando foco a Ernest Burkhart (Leonardo DiCaprio), um ex-intendente do Exército, que se muda para o condado de Osage para morar e trabalhar para seu influente e ganancioso tio, William Hale (Robert De Niro). A história passa então a girar em torno de todos os planos intricados de Hale, em busca de se beneficiar diretamente com a morte dos membros originários do condado. No meio dessa teia de crimes, Ernest é levado para o olho do furacão através da sua relação com Molly (Lily Gladstone), uma das ricas donas de concessões da cidade.

O filme tenta trazer os acontecimentos na sua forma mais nua e crua, com a violência e armações criminosas e até políticas de forma a mostrar a forma como a população Osage era tratada, apenas uma grande fonte de renda que logo poderiam ser descartadas sem nenhum ressentimento. O filme realmente transmite o quão odioso o ser humano pode ser ao invalidar vidas humanas em beneficio próprio, e consegue traçar seus paralelos com os dias atuais e lutas semelhantes de forma bastante explícita, incluindo no Brasil. A mensagem dada não se trata de algo deixado no passado e sim de um alerta para o futuro.

A dramatização traz uma humanização para certos personagens que, ao serem abordados unicamente pelo ponto de vista histórico-investigativo do livro, seriam vistos de forma unidimensional, porém estamos falando de um filme com as interpretações grandiosas de DiCaprio e De Niro, onde ambos conseguem trazer à tona camadas de seus personagens que fazem aflorar os mais diversos sentimentos do espectador. Mas verdades precisam ser ditas: Lily Gladstone brilha. Sendo de origem nativo-americana, seu papel no filme ultrapassa a narrativa, se mostrando como algo pessoal e transmitindo isso em cada minuto em tela.

Esteticamente o filme também é ouro cinematográfico, com uma escolha de fotografia perfeita que acompanha Scorcese em tudo que se propões a fazer. Ainda se torna um verdadeiro desfile ao mostrar toda as cores dos Osage, despertando o interesse de todos a ir em busca de mais informações desse povo tão rico culturalmente pelo que é mostrando e que, como todos os povos originários, merece e deve ser valorizado.

Mesmo com 80 anos e podendo se aposentar a qualquer momento, Martin Scorcese vem a público mostrar a razão de ser um dos maiores nomes da história cinematográfica – e que sua luta pela manutenção do status quo do cinema como expressão de arte está mais firme do que nunca.

 

Pernambucano, jogador de RPG, pesquisador nas áreas de gênero, diversidade e bioética, comentarista no X, fã incontestável de Junji Ito e Naoki Urasawa. Ah, também sou advogado e me arrisco como crítico nas horas vagas.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *