Crítica | Ataque dos Cães (The Power of the Dog)

Nota
5

Ataque dos Cães conta a história de dois irmãos, Phil (Benedict Cumberbatch) e George (Jesse Plemons), proprietários da maior fazenda de Montana. A relação dos irmãos é baseada em antagonismos, enquanto o primeiro é brilhante e rude, o segundo é gentil e afetuoso, esse vínculo de extremos é acentuado quando George, secretamente, se casa com Rose (Kirsten Dunst), uma viúva proprietária de um pequeno restaurante local onde trabalha com o seu filho, Peter (Kodi Smit-McPhee), ambiente este onde, no primeiro ato, ocorre um conflito gerado por homofobia. Peter, um jovem sensível que gosta de dedicar parte de seu tempo na criação de colagens de recortes pessoais de pessoas que fizeram sucesso durante a Era Vitoriana, além de flores de papel, o estopim para a ridicularização do jovem rapaz por apresentar trejeitos afeminados, com um ataque de fúria levando a Rose a chorar num canto de sua cozinha, enquanto o jovem sai e alheio a essa situação, vai brincar com o seu bambolê.

Adaptado do clássico livro de Thomas Savage, cujo título é uma referência ao Salmo 22:20 que diz “Salva minha vida da espada, livra o meu ser do ataque dos cães”, o longa dirigido por Jane Campion mostra a toxicidade masculina revestida de camadas espessas para camuflar a não aceitação da realidade, mas que ao se blindar, machuca não somente a si, mas aos que estão ao seu redor. Esse ataque do cães citado na passagem bíblica expõe o ruminar de desejos proibidos que afloram e agridem a todo ao seu redor na vã tentativa de encobrir a sua fragilidade masculinizada.

Uma produção original da Netflix, que foi indicada em 12 categorias no Oscar 2022, nos revela o resultado de uma obra conduzida sob a ótica da rejeição de quem externa o mesmo sentimento vedado que não se pode revelar. Phil, que no passado, teve uma experiencia amorosa com seu mentor de cavalaria, Bronco Henry, por quem ainda guarda grandes sentimentos, trava uma batalha interna ocultando esse amor, o que o faz ter atitude extremas para se validar diante dos companheiros de álcool e cavalgada. Precisa se mostrar machão. E o faz da única maneira que lhe foi ensinada como aceitável: ser machista com as mulheres e homofóbico com os homens mais delicados.

Ataque dos Cães é uma obra cheia de simbolismo que nos revela, além da luta interna de sua própria aceitação, uma metáfora sobre reunião de diferentes tipos humanos recortados e apartados de seus mundos, e postos juntos como numa colagem de um scrapbook, revelando tensão e contradição num mesmo espaço. O longa também subverte elementos clássicos do faroeste exibindo contrapontos de uma simplicidade complexa. Há filmes que falam mais através do silêncio de imagens.

 

Professor, escritor, tradutor, blogueiro, entusiasta em tecnologia, nerd e pseudo intelectual.

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