Crítica | Baby

Nota
4.5

Após quase 2 anos preso numa instituição para menores infratores, Wellington (João Pedro Mariano) finalmente se vê livre para voltar para casa. Mas após chegar com a assistente social em casa, ele descobre que seus pais se mudaram de São Paulo, mas sem avisar a ninguém o seu novo endereço. Revoltado com o abandono dos seus pais, Wellington resolve fugir e tentar conseguir algum apoio com seus amigos. Ao se reencontrar com seu grupo de amigos numa praça, sua amiga Pink (Kyra Reis) conta de sua situação após ser agredida e assaltada, e então o grupo decide entrar em um cinema de filmes adultos para furtar alguns celulares. Lá, Wellington se interessa por Ronaldo (Ricardo Teodoro), mas logo descobre que ele estava lá a trabalho como garoto de programa, então ele apenas se afasta decepcionado. Depois de horas tentando dormir dentro do cinema, Wellington acaba sendo expulso do prédio, e na tentativa de achar novamente seus amigos, ele acaba cruzando novamente com Ronaldo, que acaba se compadecendo com sua história de vida e sua situação e decide dar abrigo ao jovem naquela noite. Muito mais velho e experiente na noite paulista, Ronaldo decide ensinar ao jovem a sua profissão e ao longo do tempo os dois vão criando um laço muito forte que é regado de contradições. Essa é a premissa de Baby, um dos destaques da XV Janela Internacional de Cinema do Recife em 2024, dirigido por Marcelo Caetano, mais conhecido pelo seu trabalho de produtor de elenco em Aquarius (2016) e Bacurau (2019).

Conhecido por curtas focados nas vivências LGBTQ+, o diretor Marcelo Caetano estreia seu segundo longa-metragem, desta vez focado nas periferias de São Paulo. Marcelo, que foi preparador de elenco para os filmes do renomado diretor pernambucano Kleber Mendonça Filho, reuniu uma equipe de peso para seu longa, contando com nomes na produção como o de Thales Junqueira, que trabalhou também no longa Aquarius com a direção de arte do filme. Após 8 anos de seu último longa, Marcelo Caetano se mantém consistente com relação ao seu jeito de contar suas histórias, em Baby ele mantém o seu jogo de câmera, um estilo muito parecido com o contar das suas histórias, mas agora com um refinamento estético muito maior. Apesar de utilizar algumas mesmas locações de seu último longa, Corpo Elétrico (2017), em Baby ele se mostra um diretor mais amadurecido e mais certo do que ele quer mostrar, atrelado inclusive ao olhar atento de Thales Junqueira e toda a equipe de figurino e direção de arte, a equipe cria uma paleta de cores impecável ao filme que consegue comunicar ao espectador por si só, além da organização dos cenários que é um show à parte por conseguirem filmar na maioria das vezes em espaços tão pequenos, mas sem criar uma claustrofobia para as cenas.

Apesar de estarem estrelando o seu primeiro longa, os atores que fazem o casal Baby e Ronaldo, entregam performances de veteranos. João Pedro Mariano consegue muito bem expressar a insegurança e a ingenuidade de Wellington, jovem que acabou de sair do interior e mesmo assim já passou por diversas coisas. O ponto principal para a performance de João Pedro acaba sendo sua corporeidade, onde o ator consegue expressar bem todas essas nuances do personagem, mesmo em momentos em que ele não fala ou não precisa falar, ele é um personagem complexo e cheio de histórias no seu passado, que a princípio não conhecemos e nem necessariamente precisamos conhecer, porque a expressão corporal do ator nos fala exatamente o que precisamos saber sobre o background do jovem. Já a performance de Ricardo Teodoro acaba sendo o completo oposto, já que o seu personagem exige um mistério ao seu redor, onde não podemos saber o que se passa pela sua cabeça até que ele mesmo decida revelar sobre seu passado, e é onde Ricardo brilha como Ronaldo, conseguindo fazer um personagem também complexo, mas sem ser monótono e nem apático. As cenas entre Ricardo e João Pedro passam uma extrema naturalidade, onde de fato parece que os dois estão vivendo aqueles momentos, um resultado excelente da preparação de atores. 

O roteiro de Baby é sem dúvida o ponto alto do filme, mesmo não se propondo a grandes inovações, o filme se mantém num nível ótimo entre balancear suas nuances de poesia com a realidade. Retratar a periferia de São Paulo, com pessoas LGBTQ+ que foram expulsas de casa e que precisam se prostituir para conseguir sobreviver não é uma tarefa fácil, até porque não há como trazer leveza para um tema tão pesado. Mas o longa não se propõe a trazer leveza para temas tão pesados, muito pelo contrário, os conflitos principais do filme são exatamente do choque de realidades e desses problemas que vão cada vez mais se acumulando, mas o ponto de virada se dá pelo romance principal, que é onde está a leveza do filme. A naturalidade da interação dos personagens é importante para a construção desses momentos de respiro para o filme, onde o romance que está imerso em problemas consegue extrair a beleza nesses pequenos momentos que eles vivem, deixando a narrativa super poética. Além disso o filme tem uma delicadeza quanto a sua representatividade, que tem personagens muito bem explorados e construídos, trazendo a sexualidade como um fator principal, onde o sexo se torna um tema importantíssimo para a trama, trazendo a dualidade entre essas funções que a sexualidade exerce: o sexo pelo sexo, que serve exclusivamente para conquistar alguma coisa, ou o sexo pela sua própria sensualidade, que muitas vezes se desprende do ideal romantico do sexo, não se limitando apenas a romances clichês que tratam a sexualidade e romancidade como duas coisas que andam de mãos dadas.

Sensual e poético, Baby retrata a dura realidade da periferia de São Paulo explorando uma ótima representatividade LGBTQ+. Ressoando essa complexidade da vida na periferia paulistana, Baby não oferece um caminho fácil para seus personagens, mas sim um reflexo autêntico de suas lutas e vivências. Sendo o segundo longa-metragem do seu diretor, Marcelo Caetano, o filme traz um refinamento técnico para as obras do diretor, resultado de uma equipe muito competente. Marcelo busca principalmente criar uma reflexão sobre identidade e sobrevivência, mas que mesmo com uma realidade muito dura, o diretor surpreende em conseguir extrair um roteiro poético com uma enorme sensibilidade com que são abordadas questões de marginalização, sexualidade e o árduo caminho da auto aceitação, trazendo ao espectador a dualidade tanto de desconforto, quanto uma profunda empatia. O filme estreou no dia 9 de janeiro, porém não em todos os cinemas brasileiros, portanto é importante conferir a disponibilidade de Baby nos cinemas próximos a você.

 

Ilustradora, Designer de Moda, Criadora de conteúdo e Drag Queen.

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