Crítica | Bacurau

Nota
4

Num futuro não muito distante, na região do Sertão pernambucano, os moradores de um vilarejo de nome Bacurau percebem que sua cidade sumiu dos mapas. Logo após a morte da “matriarca” do povoado, com 94 anos, sabotagens e assassinatos misteriosos começam a assombrar a rotina pacífica das pessoas do povoado, que têm de unir forças para lutar contra forças externas que querem dizimá-los.

Dirigido por Kleber Mendonça Filho (O Som ao Redor e Aquarius) e Juliano Dornelles, Bacurau é um projeto de longa gestação no qual seus cineastas vêm trabalhando desde 2009 e que só agora saiu do papel, diga-se de passagem, direto para o Festival de Cannes, onde concorreu à Palma de Ouro e venceu o Prêmio do Júri.

O letreiro inicial já deixa claro que o filme não terá um tom tão uniforme; partindo de um plano de satélite, de fora da Terra, a câmera vai se aproximando mais e mais do território brasileiro. É quando, através de um crossfade recorrente, somos transportados para  o interior de Pernambuco, em um primeiro ato quase documental, que nos apresenta cada integrante da comunidade de Bacurau. É curioso que, mesmo esse início contido, o longa apresenta uma fotografia saturada que remete aos clássicos do western de Sergio Leone (um dos muitos anacronismos que os diretores e roteiristas conjuram ao longo da projeção).

Talvez a coisa mais impressionante que Kleber e Juliano fazem aqui é dar unidade a uma narrativa tão heterogênea e extrair disso uma franca noção de entretenimento. Enquanto O Som ao Redor sintonizava com o cotidiano recifense de forma crua e Aquarius estabelecia quase uma heroína clássica diante de um conflito nas relações de classe e poder, Bacurau é um reflexo imediatista e necessário da distopia que o Brasil vive, em que a abordagem não poderia ser outra senão o extremo (ou até mesmo o óbvio).

Sem meios termos ou meias palavras, sutilezas ou concessões, o filme expõe suas alegorias de maneira quente e obstinado – transitando do drama social “pequeno”, passando pela ficção científica (que utiliza muito do imaginário visual setentista e oitentista) até o faroeste ultra-violento que não deve nada a Tarantino. É um cinema visceral e impactante, visualmente imaginativo e dramaticamente poderoso, sem vergonha de abraçar convenções de gênero ou de subvertê-las. E ainda mantém uma universalidade temática cujas especificidades estão mais no senso de humor e nos subtextos políticos do que propriamente na sua essência: uma luta coletiva e destemida por sobrevivência.

De Recife (PE), Jornalista, leonino típico, cinéfilo doutrinador.

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