Crítica | Bandida: A Número Um

Nota
4.5

“Mulher bandida tem boca mas não fala.”

Abandonada pela mãe e vendida pela avó para o maior líder do crime da Rocinha, Rebeca (Maria Bomani) não tinha outro destino além da vida do crime. Criada por Seu Amoroso (Milhem Cortaz), ela desde muito nova aprendeu como administrar o tráfico da região e quanto mais ela crescia mais ela se tornava o braço direito de Amoroso. Mas mesmo com a proteção de Ogum, Rebeca sabia que não seria fácil viver debaixo das asas do homem que a comprou, ainda mais depois de se apaixonar por Pará (Jean Amorim), o que iria tornar sua relação com Amoroso ainda mais conturbada. Bandida: A Número Um é um filme nacional dirigido por João Wainer, e que adapta para os cinemas a história de Raquel de Oliveira, escritora do livro A Número Um que conta um pouco da sua história mas renomeando os personagens.

Tendo sua estreia como atriz com a personagem Verena na novela Amor de Mãe, em 2019, a rapper Maria Bomani tem agora sua estreia em longas metragens com o filme do diretor João Wainer. A trama apresenta crônicas da vida de Rebeca, que cresceu muito pobre e sem nenhuma oportunidade e que não teve outra opção senão entrar para o crime, assim como todos seus amigos de infância. Apesar do filme apresentar a história do ponto de vista de Rebeca, sem deixar de mostrar a sua personalidade forte, Bandida: A Número Um não recai em uma romantização da vida do crime, já que a personagem inspirada na vida real da autora, Raquel de Oliveira, tem plena noção das consequências da sua vida no crime. E, justamente atrelado a construção muito bem amarrada dessa personagem, temos a atuação brilhante da Maria Bomani, que se mostra gigante neste filme, onde é nítida a sua evolução desde seu primeiro trabalho na TV, em 2019, e que agora ela consegue se mostrar uma atriz muito mais madura e com muito mais complexidade na sua atuação.

Bandida: A Número Um também se destaca muito com aspectos mais técnicos, já que com os anos de experiência do diretor João Wainer, como fotógrafo e cinegrafista, o filme consegue nos apresentar uma fotografia dinâmica, que combina muito com a rapidez que o enredo e as cenas exigem, mas também pelas diversas técnicas de fotografia utilizadas. Pela trama se passar durante as décadas de 70 e 90, há diversas cenas com câmeras analógicas, com um granulado característico das TVs de tubo e da tecnologia da época, e tudo isso consegue transportar com perfeição para cada época retratada. O figurino também se destaca por ser muito bem pensado e condizer muito com o Brasil das décadas de 80 e 90, mostrando bem a transição das duas décadas, assim como para trazer uma representação estética da mudança da personagem e do seu amadurecimento, não apenas de idade, mas também da imposição da sua personalidade em posições de liderança.

Apesar de abordar muito sobre temas violentos, Bandida: A Número Um se distancia muito de outras obras de mesma temática como Cidade de Deus e Tropa de Elite, por ter um grande foco no romance de Rebeca com Pará, que é muito bem amarrado com a música tema “Deslizes”, do cantor Fagner, que traduz muito bem a relação e a vida conturbada do jovem casal. A trilha sonora tem um papel importantíssimo para o longa por traduzir bem os sentimentos da Rebeca em momentos tensos mas sempre quebrando a expectativa de músicas tensas para baladas ou músicas românticas e que lembram bem ao espectador que apesar da atmosfera tensa, dramática e pesada, que o filme também é sobre romance, visto que a personagem da Rebeca está desde as primeira cenas envolta nesses sentimentos de arrependimento e de desesperança, e o único sentimento que mostra o seu lado humano durante todo o filme é justamente o amor que ela sente.

Bandida: A Número Um é uma boa surpresa do cinema nacional, trazendo Maria Bomani no seu primeiro longa, se mostrando agora uma atriz muito mais madura e complexa. A trama cheia de violência e drama cria um ótimo contraste com a fotografia dinâmica e com uma estética bem diferenciada, assim como com o romance de Rebeca com Pará, que distancia o longa de outras produções abordadas no mesmo contexto e ambientação. Com sua estética capturando completamente a essência das décadas de 80 e 90, combinado com a trilha sonora que ilustra perfeitamente a construção da personagem e sua jornada emocional,  o longa nos traz uma experiência provocativa e cheia de identidade do cinema brasileiro.

 

Ilustradora, Designer de Moda, Criadora de conteúdo e Drag Queen.

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