Crítica | Batem à Porta (Knock at the Cabin)

Nota
4

“Nós quatro estamos aqui para evitar o apocalipse”

Wen e seus pais adotivos, Andrew Eric, decidem passar as férias em uma cabana remota, mas a paz da viagem de lazer acaba sendo atrapalhado pela chegada de quatro estranhos armados, que faz os três de reféns e anunciam que a família precisa decidir qual deles deve se sacrificar para salvar a humanidade do apocalipse, que irá começar em alguns dias. Os quatro sequestradores carregam um grande mistério, eles tiveram visões que indicaram como iria acontecer o fim do mundo e como poderiam evitar, além disso acabaram sendo reunidos por conta dessas visões. Leonard era um treinador de um time escolar, Sabrina era uma enfermeira, Adriane uma cozinheira e Redmond um ex-alcoólatra que trabalha para a Central de Gás, mas as visões do fim do mundo destruíram suas vidas e os transformaram em agentes do apocalipse, responsáveis por lutar até o último segundo para impedir o evento final.

Um filme dirigido e roteirizado por M. Night Shyamalan é garantia de altas expectativas, e talvez seja por isso que o cineasta está buscando se renovar nos últimos anos, focando mais em roteiros adaptados que em originais, como é seu padrão. Batem à Porta, baseado em O Chalé no Fim do Mundo de Paul Tremblay, é um suspense em seu mais puro estado, que começa sem nos dar informações necessárias e vai se desenvolvendo se apoiando nas perguntas que vamos criando em nossas cabeças, focando muito mais em nos fazer ficar envolvidos pela história de seus personagens do que realmente pela trama, nos deixando perdidos no que pode vir a seguir a ponto de não sermos capazes de realmente antever os acontecimentos, mesmo que eles não nos surpreendam quando acontecem. A trama brinca o tempo todo com nossa credulidade, será que o apocalipse realmente vai acontecer? Será que tudo não passa de um golpe? Será que não é uma forma de tortura por motivos homofóbicos? Parece existir algum motivo por trás da união do quarteto ou da escolha de Andrew e Eric, mas até onde esse debate pode ser racional e em que momento devemos aceitar as explicações místicas? Todos conhecem o grande dilema moral que fala ‘Você seria capaz de sacrificar alguém que você ama para salvar bilhões de pessoas?’, e é esse grande dilema que sustenta toda a obra, e que Shyamalan consegue explorar de forma praticamente enlouquecedora, deixando o espectador desafiado a decidir que lado deve apoiar. Num longa onde a cabana e seus arredores são o cenário principal (e praticamente único), o elenco se torna a grande ferramenta para desenvolver a história, e os sete membros parecem ter sido escolhidos a dedo para a trama.

O líder dos invasores é Leonard, interpretado, de forma maravilhosa, por Dave Bautista em seu padrão de contraste aparência/personalidade. Leonard, assim como muitos trabalhos de Dave, é um homem enorme, musculoso e com um coração doce, ele nos cativa rapidamente com a leveza que ele fala de seus alunos, com a forma como ele mostra que está realmente fazendo tudo aquilo por amor à humanidade, ao mesmo tempo que ele deixa claro que está disposto a tudo para provar que está falando a verdade. Redmond é ranzinza e explora um lado mais grosseiro e calejado de Rupert Grint, o integrante mais instável e mais violento do grupo, mas que acaba mostrando existir uma verdadeira empatia em seus atos em dado momento do filme. Nikki Amuka-Bird (Sabrina) e Abby Quinn (Adriane) podem não ter muito desenvolvimento no decorrer da trama, mas possuem seus ótimos momentos em tela, contribuindo de forma louvável para o desenrolar da história. O quarteto deixa claro o quanto é turva a linha que divide mocinhos e vilões, o que, somado a alguns eventos do filme, nos deixam em dúvida se eles realmente são vilões ou se os antagonistas não são o casal refém. Outra grande ferramenta do roteiro é o contraste de Andrew e Eric: Eric (Jonathan Groff) se mostra muito mais equilibrado ao mesmo tempo que influenciável, considerando em vários momentos se há veracidade no que os invasores estão contando, enquanto Andrew (Ben Aldridge) é mais descrente, questiona cada evidencia que surge e se mostra mais impetuoso, acreditando que o marido está se deixando levar pelas alucinações originadas de seu ferimento na cabeça. A química entre a dupla só se fortalece com a interação com Kristen Cui (Wen), que traz um entrosamento palpável com os dois atores, parece ser o ponto fraco na luta do casal e ainda desempenha uma performance elogiável nas cenas dramáticas.

Simples, objetivo e envolvente, Batem à Porta abre mão da busca por reviravoltas inesperadas e sai bem sucedido, ele consegue expor que isso não é um problema e ainda prova que o grande forte de Shyamalan são projetos não tão ambiciosos e com poucos efeitos pirotécnicos, o que abre espaço para o cineasta explorar a tensão e o suspense por trás do suposto fim do mundo e entregar resultados bastante satisfatórios. A montanha-russa narrativa do longa tinha tudo para ser seu forte, mas o uso excessivo de flashbacks acaba criando tramas paralelas que não enriquecem de forma nenhuma o enredo e, em muitos momentos, nos deixa questionando de outros personagens não mereciam receber flashbacks que ajudassem a responder perguntas que não foram respondidas, e poderiam fortalecer ainda mais o roteiro. A grande sacada, que acaba equilibrando as falhas, é a inexistência de vilões, temos sim personagens que são capazes de atos condenáveis, mas toda a história é construída de forma a torna-los mais humanos, mostrando o sofrimento deles a medida que o fim do mundo se aproxima e que tudo que eles estão fazendo é por puro desespero, por medo do que foi revelado nas visões. Bem distante dos clássicos do diretor, o longa traz uma versão mais controlada de Shyamalan, mas consegue cumprir sua promessa mesmo trazendo algumas falhas.

 

Sonhador nato desde pequeno, Designer Gráfico por formação e sempre empenhado em salvar o reino de Hyrule. Produtor de Eventos e CEO da Host Geek, vem lutando ano após ano para trazer a sua terra toda a experiência geek que ela merece.

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