Crítica | Batman Begins

Nota
3

Avaliando de 2020, é praticamente inegável a influência de Batman Begins (2005) no cinema adaptado de HQs no início deste século.  O filme lançado pelo diretor Christopher Nolan (seu quarto longa-metragem), em 2005, promoveu uma brutal comoção, que só veio a se concretizar verdadeiramente nos capítulos seguintes da trilogia do homem-morcego. Mas já aqui, no primeiro, as relações essenciais do universo estavam bem estabelecidas.

No início de Batman Begins, o jovem Bruce Wayne (Christian Bale), que perdeu os pais tragicamente muito cedo, é levado pelo líder da Liga das Sombras (Liam Neeson) para treinar artes marciais. Logo que o protagonista descobre os planos da organização em relação à Gotham, ele decide retornar a sua cidade para salvá-la da destruição de milhões de vidas. 

O trabalho específico na ação com efeitos práticos, trucagens e miniaturas, talvez a maior constante da filmografia de Nolan, nunca foi tão apropriado quanto nesse seu primeiro extensivo. Numa época em que a imagem digital estava começando a dominar o mercado (especialmente a partir da segunda trilogia de Star Wars, de George Lucas), e ainda de modo preliminar e às vezes deficitário, é gratificante acompanhar aquela concepção realista e soturna de Gotham (em boa parte filmada em Chicago) e o desenrolar da ação da mais intimista até a mais grandiosa – e que, mesmo assim, ainda preserva a fisicalidade e humanidade dos personagens. 

O treinamento em si, no primeiro ato, rende algumas cenas de ação muito econômicas mas que preservam uma certa praticidade cênica (algo que O Grande Truque ainda tem em alguma medida e que o cineasta deixou de explorar ao longo dos anos). Durante o segundo ato, o filme também possui alguns confrontos mais diretos e que flertam com um senso genuíno de temor social – mesmo que numa chave segura, devido à classificação indicativa. E, a partir de efeitos visuais pontuais e criativos, sobretudo nas cenas com o Espantalho, Nolan consegue resolver esses conflitos com objetividade.

Aliás, essa maior densidade dadas aos conflitos, associada à cinematografia pálida e escura de Wally Pfister (a qual lhe rendeu uma indicação ao Oscar), foi exatamente o que “inaugurou” dentro do gênero o tom sombrio/realista que viria a se tornar a marca da trilogia, apesar de ele já ter sido trabalhado em menor escala por M. Night Shyamalan no seu filme de super-herói intimista, Corpo Fechado (2000). Foi uma abordagem muito importante para um gênero que estava começando a se firmar na indústria e que, de alguma maneira, precisava de uma certa legitimação: provar que filmes de super-heróis não precisavam ser cartunescos como os três Homem-Aranha, de Sam Raimi, por exemplo, e poderiam atingir um status de “seriedade”. Um conceito, diga-se, tremendamente antiquado; um filme não precisa obedecer a um mandamento de cinema A para ser bem sucedido, e é exatamente por abraçar conceitos graficamente estimulantes e até meio caricatos que os filmes de Raimi (especialmente o segundo) funcionaram bem. 

No caso de Nolan, a recusa pela fantasia e o apelo por essa seriedade acaba criando alguns momentos de humor involuntário, principalmente quando as situações tomam o seu clássico ar grandiloquente e, simultaneamente, possuem aquela caracterização B, que não consegue disfarçar a breguice de seus discursos nem por um segundo. São problemas que não comprometem tragicamente o todo, mas, assim como no Insônia, filme anterior do diretor, Batman Begins não tem o salto formal ou narrativo que suas ambições almejam. É comportado demais em seu realismo sombrio para se abrir a outras possibilidades cinematográficas que estão além do seu próprio nariz.

 

De Recife (PE), Jornalista, leonino típico, cinéfilo doutrinador.

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