Nota
Durante décadas, as sátiras sempre serviram como válvula de escape dentro do cinema, independentemente do nível de relevância e do tom crítico. Culturalmente, a ferramenta funciona como denúncia a alguma problemática da sociedade, ironizando certos costumes, comportamentos e até a produção de filmes, através de inúmeras referências que dão risadas delas mesmas.
Diante disso, o longa “Borat” (2006) é a personificação desse conceito. Aqui, acompanhamos a trajetória de Borat Sagdyiev, um caricato jornalista do Cazaquistão obcecado por furos de reportagens. Em uma espécie de documentário satírico, recheado de comicidade, o repórter viaja aos Estados Unidos a fim de expor as bizarrices do país e as situações constrangedoras que cercam o local, na sua última tentativa de firmar de vez seu nome na indústria.
Note que, desde a descrição do personagem, já podemos perceber o estereótipo de figuras capazes de tudo em nome da audiência e da fama – algo que não se distancia muito da realidade. Em um primeiro momento, somos mergulhados nas esquisitices do Borat, como se fosse uma figura exótica. Afinal, seus métodos são nada ortodoxos e sua abordagem é excêntrica, como se tivesse uma liberdade com seus entrevistados e tudo girasse em seu torno. Quanto mais percorre pelo cenário, mais íntimo daquele ambiente o protagonista fica, provocando um certo desconforto e boas gargalhadas no espectador.
Nesse contexto, Larry Charles promove jogos de cenas interessantes, que confundem a percepção do público. Um bom exemplo disso é o imprevisto excessivo nas cenas e as coincidências que surgem ao longo da narrativa. A ótica do cineasta é tão cuidadosa que, mesmo que certas situações beirem à fantasia e ao mais completo estado de ridicularização, tudo parece no seu devido lugar e à espera do efeito cômico das piadas. A impressão que fica é que há um filme dentro do outro, assim como a espontaneidade falsa de Borat, cada vez mais mergulhado nesse universo.
Mais do que isso, o roteiro ironiza a paranoia dos norte-americanos com relação ao Oriente Médio – principalmente após as Torres Gêmeas – e critica a xenofobia, ainda que Borat também seja um perfil estigmatizado do continente. Basta observar a diferença entre os comportamentos dos personagens e perceber que há uma silenciosa denúncia nas esquetes, essencialmente quando o protagonista tenta explicar o sentido de suas piadas. Ora, nada mais genial do que ridicularizar um racista, mesmo que ele sequer entenda o contexto do diálogo e não enxergue seu próprio ego.
Vencedor do Globo de Ouro de Melhor Ator, Sacha Baron Cohen sustenta brilhantemente a performance de seu personagem, e o consagra como um dos melhores do gênero. Borat é espalhafatoso, falante e nada discreto. Onde quer que esteja, recebe atenções de qualquer lado – afinal, seu maior propósito é esse: prender as pessoas à sua volta. Ainda que seja um tipo ridículo em alguns momentos, o repórter cazaquistanês cativa quem assiste pelo seu carisma e o talento magnífico de Baron Cohen, alavancando sua promissora carreira. Grande atuação.
Embora alguns de seus trechos tenham envelhecido mal, “Borat” ainda se apresenta como um marco da comédia satírica e consegue tocar na ferida, construindo mecanismos que se assemelham com a metalinguagem e momentos que provocam diversas sensações em quem assiste. Uma boa oportunidade para ver um roteiro bem conduzido que sabe rir de seus problemas e criticá-los, e uma grandiosa performance de seu protagonista, sem sombra de dúvidas.
Vinicius Frota
Apenas um rapaz latino-americano apaixonado por tudo que o mundo da arte - especialmente o cinema - propõe ao seu público.