Crítica | Brooklyn: Sem Pai Nem Mãe (Motherless Brooklyn)

Nota
3

Em sua estreia na direção, o muito bom e versátil ator Edward Norton se arrisca com a nova produção distribuída pela Warner adaptando para o cinema o livro Brooklyn Sem Pai nem Mãe, lançado no final da década de 1990. O risco é, essencialmente, porque, embora a obra original tenha uma temporalidade atual, o filme distribuído pela Warner se passa em meados dos anos 1950 – visto que, segundo o diretor/roteirista, o texto e a atmosfera remetem muito mais a um noir clássico do que ao pós-modernismo dos thrillers contemporâneos. 

A história parece mais complicada do que de fato é; na prática, um detetive particular com síndrome de Tourette tem seu mentor assassinado durante uma missão de risco envolvendo uns sujeitos desconhecidos e, ao descobrir que o mesmo estava seguindo uma mulher antes de morrer, passa a investigar a ligação do crime com a especulação imobiliária em bairros predominantemente negros. 

É curioso como, apesar de Norton partir sua inspiração do filme de detetive tradicional (tal como Scorsese fez em 2010 com Ilha do Medo), sua inclinação visual constantemente oscila do clássico sóbrio para a estilização. Os planos possuem uma elegância bastante evidente e uma funcionalidade na encenação (lenta e deliberada); nem sempre, no entanto, essa estilização é incorporada com um propósito narrativo ou mesmo como parte de uma reconfiguração do tradicional para um estilo mais moderno (Zodíaco, de David Fincher, é o melhor exemplo recente dessa reconfiguração). Aqui a direção tenta trabalhar com planos subjetivos, sombras e reflexos que, em parte, até são condizentes com o gênero, mas em quase 2h30 de duração e um enredo tão cheio de desvãos, são maneirismos que ficam sobrando.

O personagem principal é muito bom, e Norton é feliz no tratamento simultaneamente cômico, doce e obstinado que confere a ele. Sua forma de lidar com a síndrome, que em vários momentos o coloca em apuros, é de longe uma das melhores coisas de Brooklyn: Sem Pai Nem Mãe e é gracioso como o filme, ainda nos seus momentos mais dispersos, encontra tempo para desenvolver relações humanas de forma muito franca e frontal. Lembra até James Gray em algumas cenas, especialmente a dança no clube.

O elenco de apoio é quase todo ótimo, de Alec Baldwin a Willem Dafoe, passando pela muito bonita e carismática Gugu Mbatha-Raw. A última integra à trama mais como um dispositivo emocional do que propriamente temático, já que o roteiro tem muita dificuldade em correlacionar personagens, forma e discurso (toda a questão social da especulação e do direito à moradia dos pobres acaba sendo um pano de fundo meio falso, quase como se fosse uma desculpa). O próprio mistério envolvendo o assassinato não tem peso o suficiente para segurar o ritmo do filme ou mesmo a tensão – escassa e um tanto branda.

Apesar de suficientemente elegante e bem intencionado em sua estreia por trás das câmeras, Edward Norton carece, acima de tudo, de uma substância temática e estilística mais robusta para justificar a existência de Brooklyn: Sem Pai Nem Mãe – ainda que a experiência seja honestamente agradável e funcional.

 

De Recife (PE), Jornalista, leonino típico, cinéfilo doutrinador.

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