Nota
Uma mulher interrompe sua carreira após ter um filho. Focada agora em cuidar da criança em tempo integral, ela assume o papel de dona de casa enquanto seu marido está sempre ausente, por conta de suas longas e frequentes viagens de negócios. Vivendo em uma casa suburbana, o estresse da nova rotina começa a afetar sua sanidade, e ela passa a acreditar que está se transformando em um cachorro.
Baseado no romance satírico Nightbitch, escrito por Rachel Yoder e lançado em 2021, Canina transcende as expectativas de uma simples adaptação literária e nos guia por uma intensa experiência sensorial e emocional. O filme mergulha profundamente na jornada da protagonista, que, ao lidar com os desafios da maternidade e da solidão, enfrenta uma transformação literal e metafórica que questiona os limites entre humanidade e animalidade.
Desde os primeiros minutos, somos capturados por uma atmosfera quase palpável, construída com maestria através da fotografia visceral e do design de som inquietante. Cada cena parece carregada de texturas — o som de patas no chão, os uivos distantes e até o silêncio angustiante são elementos que amplificam a imersão do espectador nesse universo surreal.
A direção de Marielle Heller nos oferece uma abordagem intimista, quase claustrofóbica, que reflete a psique fragmentada da protagonista. Ao mesmo tempo, Canina não tem medo de explorar o grotesco, utilizando-o como ferramenta narrativa para simbolizar as pressões sociais impostas às mulheres. Essa escolha, ainda que desconfortável, é brilhantemente eficaz em conectar a audiência à luta interna e externa da personagem principal.
Outro ponto alto do filme é a atuação visceral da protagonista, Amy Adams faz uma entrega emocional que nos conduz por uma montanha-russa de vulnerabilidade e força, de medo e empoderamento. A transformação física e emocional que ela sofre é interpretada com uma intensidade que nos faz sentir cada angústia e desejo.
Canina não é um filme fácil ou convencional, mas é exatamente essa ousadia que o torna tão memorável. É uma obra que, ao explorar os instintos mais primordiais da condição humana, nos faz refletir sobre identidade, maternidade e liberdade. Uma experiência que ficará marcada não apenas na mente, mas também nos sentidos de quem o assistir.
Abordando o dilema da maternidade, a personagem principal, tratada apenas por Mãe no longa, trava uma verdadeira batalha interior ao ter que lidar com o fato de abdicar de sua vida anterior para dedicar-se integralmente à educação de seu filho, com isso passa a ter o contato íntimo com o instinto primitivo. Após “atender ao chamado” ela consegue redefinir a sua jornada emocional tomando as rédeas de sua vida e equilibrando o seu viver.
Ronaldo Santos
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Professor, escritor, tradutor, blogueiro, entusiasta em tecnologia, nerd e pseudo intelectual.