Crítica | Clube dos Vândalos (The Bikeriders)

Nota
3.5

Chega aos cinemas o novo longa semi-biográfico dirigido por Jeff Nichols, Clube dos Vândalos, uma obra que procura mergulhar nas profundezas do submundo dos motoqueiros nos anos 1960 e inspirado pela obra fotográfica seminal de Danny Lyon. O filme nos transporta para uma era de contracultura e rebeldia nos Estados Unidos, onde grupos como os Vândalos personificavam o desafio ao status quo através da liberdade e da camaradagem sobre duas rodas.

O filme nos transporta para uma era de mudança e rebeldia na América, onde as culturas e os indivíduos estão em transformação. Após um encontro casual em um bar local, Kathy (Jodie Comer) se encontra irresistivelmente atraída por Benny (Austin Butler), o mais recente membro dos Vândalos, um clube de motoqueiros do centro-oeste americano liderado pelo carismático Johnny (Tom Hardy). Conforme o país ao seu redor evolui, o clube também passa por uma transformação, transformando-se de um ponto de encontro informal de motoqueiros à margem da comunidade local em um submundo perigoso de violência. Esta mudança força Benny a tomar uma difícil decisão: escolher entre Kathy e sua lealdade ao clube.

Nichols, conseguiu criar a atmosfera e explorar as complexidades emocionais da história, além de reunir um elenco estelar para dar vida aos personagens centrais. Tom Hardy interpreta Johnny, o líder carismático e enigmático dos Vândalos, cuja presença domina tanto a tela quanto a psique dos membros do clube, sendo com toda a certeza o melhor personagem em tela. Austin Butler encarna Benny, o jovem e intrépido que se torna quase uma figura de filho rebelde e ao mesmo tempo confiável para Johnny e da narradora principal, Kathy, interpretada por Jodie Comer. Comer entrega uma performance sólida como Kathy, observadora atenta das transformações dos Vândalos. Sua presença no filme não apenas guia o espectador através dos eventos, mas também adiciona camadas de significado emocional e reflexão sobre os sacrifícios pessoais em nome da lealdade e da liberdade.

A narrativa se desdobra ao longo de uma década, começando com a formação inicial dos Vândalos por Johnny e explorando sua evolução até se tornarem uma gangue com inclinações criminais. Este arco temporal permite que o filme explore não apenas a dinâmica interna do grupo, mas também as transformações sociais e culturais que ocorreram nos anos 60 nos EUA. O filme de Nichols adota uma abordagem focada nos personagens e nas suas interações, em vez de simplesmente documentar a subcultura dos motoqueiros. O diretor utiliza o cinema para mergulhar mais profundamente nas motivações e conflitos emocionais dos Vândalos, transformando suas vidas em um drama intenso e emocional. Em contraste com outros filmes sobre subculturas de motoqueiros, Clube dos Vândalos se destaca por sua abordagem mais contemplativa e menos glamorizada. Nichols evita o estereótipo fácil dos motoqueiros como heróis rebeldes ou vilões desalmados, optando por retratá-los como seres humanos complexos em busca de identidade e propósito em um mundo em rápida mudança.

A cinematografia de Adam Stone é essencial para capturar a essência e a paisagem emocional dos Vândalos. Desde as cenas de ação vertiginosas nas estradas até os momentos íntimos de vulnerabilidade, cada quadro é meticulosamente composto para transmitir tanto a liberdade quanto as limitações dos personagens. A paleta de cores, dominada por tons terrosos e sombras profundas, reforça a atmosfera de nostalgia e melancolia que permeia o filme. A trilha sonora de David Wingo também desempenha um papel crucial, evocando tanto a energia pulsante das motocicletas em alta velocidade quanto a quietude melancólica dos momentos de introspecção dos personagens. A música se torna um elemento narrativo por si só, acentuando os altos e baixos emocionais da jornada dos Vândalos.

Ao explorar temas de camaradagem, liberdade individual e as consequências do desejo por autonomia em uma sociedade estruturada, Clube dos Vândalos ressoa com filmes anteriores que capturaram o espírito de uma geração em conflito. Nichols não apenas homenageia os filmes e livros que o precederam, como Juventude Transviada, mas também os transcende ao mergulhar mais fundo na psique dos personagens e na complexidade de suas relações.

No entanto, o filme não está isento de críticas. A superficialidade no desenvolvimento de certos personagens secundários, como os interpretados por Michael Shannon e Norman Reedus, que não recebem o mesmo nível de exploração que os protagonistas. Essa falta de equilíbrio pode diminuir o impacto emocional de certas cenas e frustrar expectativas de uma narrativa mais ampla e inclusiva. Além disso, a escolha de Nichols de focar intensamente no trio de personagens principal pode alienar espectadores que esperam uma visão mais abrangente da subcultura dos motoqueiros. Embora seja compreensível que o diretor queira centrar a história em temas universais como lealdade, a falta de uma exploração mais ampla das dinâmicas sociais e políticas da época pode deixar alguns espectadores desejando por mais contexto histórico e cultural.

Em última análise, Clube dos Vândalos é um testamento à habilidade de Jeff Nichols em contar histórias profundamente humanas em contextos extraordinários. Com performances memoráveis, uma direção visualmente impressionante e uma trilha sonora envolvente, o filme captura não apenas a estética dos motoqueiros rebeldes, mas também a essência emocional de uma geração em conflito consigo mesma e com o mundo ao seu redor.

Ao final, o legado de Clube dos Vândalos reside na sua capacidade de transcender as convenções do gênero e oferecer uma reflexão sincera sobre os impulsos humanos de liberdade, camaradagem e identidade pessoal. Embora possa não ser o filme definitivo sobre motoqueiros fora da lei, ele certamente marca um ponto alto na filmografia de Nichols e uma adição significativa ao cânone cinematográfico que explora os limites e as possibilidades da liberdade individual na América do século XX.

 

Pernambucano, jogador de RPG, pesquisador nas áreas de gênero, diversidade e bioética, comentarista no X, fã incontestável de Junji Ito e Naoki Urasawa. Ah, também sou advogado e me arrisco como crítico nas horas vagas.

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