Nota
Na infância e na adolescência, somos apresentados à uma diversidade de sensações e comportamentos. Muitos não conseguem lidar com novas responsabilidades e certos deveres, independentemente do nível de relevância. Seja na vida real, seja na ficção, a caricatura do jovem tende a caminhar por rumos que o levam à rebeldia e a alguns dilemas dessa fase. Quem nunca, por exemplo, quis faltar a um dia de aula para simplesmente não fazer nada ou curtir outros afazeres? Para que isso aconteça, vale tudo – até mentir sobre a própria saúde.
Dentro desse contexto, “Curtindo a Vida Adoidado” se torna um grande exemplar que bebe dessa fórmula. Aqui, vemos os anseios de Ferris Bueller, um jovem cansado da rotina diária de estudos. Nesse sentido, John Hughes critica as cobranças da sociedade com os jovens e a pressão que paira no ar para que sejam “gente” na vida, perpetuando um ciclo que parece não ter fim. Afinal, os mesmos adultos que pressionam, também foram pressionados quando adolescentes e isso reflete nos tratamentos e no modo de se comportar socialmente. De uma geração à outra, observamos a raiz do problema, mas não conseguimos solucioná-la.
Embora esse ponto seja silencioso, é possível enxergar Ferris como mais um produto dessa problemática, uma vez que se sente pressionado pelos pais e desmotivado pela escola. Quando planeja não ir à aula no dia seguinte, resolve inventar uma doença e manter a farsa até o fim do dia. Nesse momento, a precisão da câmera é fundamental, porque somos introduzidos a um Ferris aparentemente fragilizado e na cama, podendo enganar até o espectador – como fez com os pais. Os detalhes desse trecho, ainda que mínimos, configuram o início do trunfo do adolescente, numa cena que arranca boas risadas do público e aumenta a quantidade de peripécias do personagem para se ver livre de uma “prisão”, sempre com cinismo que já se transforma na sua marca.
A partir do momento em que Sloane e Cameron, namorada e o melhor amigo de Ferris, surgem em cena, o longa recebe uma agilidade no roteiro, sem cair em equívocos. Mais do que companheiros, os dois se mostram como cúmplices da aventura do jovem, a bordo do conversível do pai de Cameron, e mergulhados nas mesmas preocupações próprias da idade. Apesar disso, Hughes consegue destoar o trio por algumas horas dos dilemas e faz com que aproveitem realmente o dia, como se fosse o único de suas vidas. Querem intensamente fugir do “padrão” e fazer tudo o que “não deviam”, questionando os significados de certo e errado impostos pela sociedade, sempre num tom que mescla a seriedade com o humor típico da Sessão da Tarde.
Em contrapartida, devem lidar com o implacável Ed Rooney, o arrogante diretor da escola em que os três estudam. Nesse quesito, o roteiro torna o persistente homem na personificação da vida adulta amargurada à qual Ferris tanto se refere, tentando se desviar dela. Aqui, percebemos claramente o paradoxo entre a juventude e o amadurecimento, buscando justificativas para as atitudes tanto do diretor, quanto dos alunos. Detalhista, Hughes molda Rooney com características caricatas de um vilão, levando o público às gargalhadas com suas tentativas fracassadas de punir os estudantes. Quanto mais fracassa, mais se irrita – e diverte quem assiste.
Mesmo ciente das consequências de seus atos, Ferris busca maneiras de justificá-los, como se precisasse deles para sobreviver. Ao mesmo tempo em que pode causar irritação no espectador, transmite um certo fascínio e não é muito difícil se identificar com um personagem tão real. Pode aparentar um garoto egoísta e inconsequente, mas, aos poucos, toda essa imagem é desconstruída, principalmente nos variados trechos que cativam e divertem o espectador.
Todo esse empenho só se torna ainda mais possível graças à carismática presença de Matthew Broderick em cena. No seu maior sucesso da carreira, Broderick constrói um tipo divertido e sem medo de regras e costumes, embora sofra pressão deles, e consegue dialogar com o público, através de expressões hilárias que só o exterior pode ver, como se estivesse quebrando a famigerada quarta parede. A cena inicial e as sequências finais são os grandes momentos do ator, consagrando-o a uma indicação ao Globo de Ouro.
Considerado como a maior projeção sobre um tema juvenil, “Curtindo a Vida Adoidado” ecoa nos lares brasileiros e entre os jovens até hoje, seguindo temas atemporais. Com enquadramentos divertidos, cenas inesquecíveis – como as apresentações na rua – e uma trilha sonora memorável, o filme apresenta um roteiro simples, mas que sabe ser complexo naquilo que propõe e o resultado é extremamente satisfatório. Um tipo de obra que vale a pena ser vista, não importa a quantidade de vezes. Clássico!
Vinicius Frota
Apenas um rapaz latino-americano apaixonado por tudo que o mundo da arte - especialmente o cinema - propõe ao seu público.